50 anos de um dos melhores filmes de todos os tempos.
Por: Iuri Biagioni Rodrigues
*Alerta de spoilers
Em 2022, o clássico filme O Poderoso Chefão completou 50 anos! Nesse contexto, trazemos uma análise sobre o famoso longa.
O Poderoso Chefão (The Godfather – EUA, 1972), dirigido por Francis Ford Coppola e estrelado por Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Richard S. Castellano, Talia Shire, entre outros, é baseado no romance homônimo de Mario Puzo, que também assina o roteiro ao lado de Coppola.
O Poderoso Chefão é considerado a obra prima de Francis Ford Coppola e um dos maiores e melhores filmes da história do cinema. O longa é bastante premiado, vencendo 3 Oscar em 1973 (melhor filme, melhor ator para Marlon Brando e melhor roteiro adaptado), 1 BAFTA em 1973 (melhor trilha sonora de Nino Rota), 5 Globo de Ouro em 1973 (melhor filme – drama, melhor diretor, melhor ator para Marlon Brando, melhor roteiro e melhor trilha sonora), 1 Grammy em 1973 (melhor trilha sonora) e 2 Prêmios David di Donatello (Itália) em 1973 (melhor filme estrangeiro e melhor David de atuação para Al Pacino), entre outros. Além desta grande quantidade de prêmios, o filme foi selecionado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para ser preservado no National Film Registry. Além disso, este filme pode ser considerado como filosófico.
Um filme pode ser considerado filosófico a partir do momento em que sua história problematiza o mundo e o ser humano por intermédio de suas cenas e técnicas cinematográficas. Os filósofos Gilles Deleuze e Julio Cabrera falam da imbricação entre Filosofia e Cinema em suas obras.
Deleuze, em sua obra “O que é a Filosofia” escrita com Félix Guattari, define o ato de filosofar como a capacidade de criar conceitos. O conceito é a forma pela qual o filósofo faz a filosofia. Essa ideia é aplicada ao cinema, pois os filmes possuem conceitos que são problematizados através do enredo fílmico (diálogos, ações e expressões dos personagens). O espectador, por sua vez, se apropria desses conceitos e poderá recriá-los e interpretá-los em seus pensamentos à sua maneira.
Cabrera vai além e chama estes conceitos de “conceitos-imagem” que apenas alguns filmes possuem, pois muitos só estão preocupados com o entretenimento e principalmente, com o lucro. Para este filósofo, um filme pode ser caracterizado como filosófico ou pensante quando sua experiência de pensamento é capaz de afetar quem o assiste. O pensador argentino chama este fenômeno de Logopatia que é o impacto emocional causado pelo conceito-imagem do filme em associação com uma reflexão profunda acerca dele.
Deleuze diz que a potencialidade que define o cinema como filosófico está na relação produzida entre o filme e o espectador. Para o pensador francês, o filme gera um choque que violenta o pensamento do espectador de uma maneira em que o impacto causado pela imagem leva a uma reflexão.
Em O Poderoso Chefão, somos impactados por diversos acontecimentos como violência, ótimos diálogos, momentos de tensão, atuações espetaculares, parte técnica do filme, etc., mas estes impactos vão muito além do momento em que são apresentados, eles fazem com que o espectador reflita sobre eles ao longo filme e após o filme.
Como exemplo disso tem-se a cena em que Michel Corleone (Al Pacino), filho de Don Vito Corleone (Marlon Brando), herói de guerra e único filho que, inicialmente, não tinha interesse pelos negócios escusos da família (sentia vergonha disso), vai ao encontro do Capitão McCluskey (policial corrupto) e Virgil Sollozzo (aliado de famílias rivais dos Corleones) em um restaurante para negociar com eles. No entanto, Michel quer vingança pelas tentativas de assassinato contra seu pai. Então seguindo um plano, durante o jantar, ele pede para ir ao banheiro e lá pega uma arma escondida. Quando retorna para a mesa, ele espera um pouco e no momento certo (passagem de um trem) atira em Sollozzo (testa) e em McCluskey (pescoço e testa). Este é o momento inicial da transformação de Michel em um novo homem. Ele passará a ser mais sério, frio, violento, sucessor de seu pai e impiedoso com os inimigos. Deleuze mostra que o cinema bom aborda a violência de outra forma: problematizando-a e não simplesmente expondo as imagens. Esta passagem de O Poderoso Chefão é um exemplo disto.
A mudança de Michel Corleone termina em seu exílio na Itália e o interessante desse processo é que ele não evidenciado somente de forma simples (roteiro e atuação) e sim, por formas mais complexas. Como exemplo disso temos: inicialmente, Mike usava rupas marrons ou verdes e posteriormente somente preto, antes tinha o cabelo mais desarrumado e com uma franja e depois só usa o cabelo bem penteado, a fotografia usa tons mais escuros, os cortes de cenas.... Nada é por acaso, tudo é planejado e faz o espectador refletir sobre o personagem e suas ações. Estes exemplos mostram que O Poderoso Chefão é um filme diferenciado.
Alguns pensadores consideram o cinema como metafórico e outros como metonímico, mas independentemente dessa discussão, o que importa é o uso de imagens para fazer comparações, analogias e simbolizar algo. Em O Poderoso Chefão, na cena em que Mike conversa com seu pai Vito (momentos antes de sua morte) sobre os planos que serão executados no final do longa, em um momento da conversa, Vito olha para a esquerda e Michel para a direita e isso representa o passado (Vito) e o futuro (Michel) da família Corleone.
A família Corleone é católica e o elemento religioso está presente desde o começo da história, porém seu uso é interessante no clímax da obra. Ao final do filme, os Corleones estão em um batizado (Michel é o padrinho) e no momento em que o padre pergunta a ele “Você renuncia satã? E Mike responde “eu renuncio”, os assassinos dos Corleones estão matando todos os inimigos de Michel (os “Dons” de outras famílias e Moe Greene). Lembrando que o nome Michel (Miguel em português) é o mesmo do arcanjo que derrotou Lúcifer (Satã) e o enviou ao inferno. As cenas são violentas, no entanto, novamente é uma violência problematizada e faz com que o espectador pense sobre as relações do sagrado/profano e nos conflitos entre as famílias rivais.
Tudo atua de maneira impecável neste filme: fotografia, trilha sonora, direção de arte, montagem, figurino, as atuações são magistrais, ótimas transições de cena, etc. Todos esses elementos contribuem para o desenvolvimento da história, dos personagens, do choque e/ou Logopatia por parte do espectador. Portanto, O Poderoso Chefão é uma aula de cinema e pode sim ser considerado como um cinema filosófico e pensante.
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