Vamos conhecer um pouco mais sobre as vinhetas
Por: Iuri Biagioni Rodrigues
Como já vimos anteriormente, as vinhetas (ou quadrinhos) são a menor unidade narrativa de uma história em quadrinhos. Nesta 4º parte da série Conhecendo os Quadrinhos, vamos conhecer mais sobre elas.
O que seria um quadrinho ou vinheta?
Segundo Paulo Ramos (livro A Leitura dos Quadrinhos), quando tiramos uma fotografia, fazemos um recorte da realidade. É como congelar um determinado momento. Essa mesma ideia vale para os quadrinhos.
Uma vinheta contém o cenário, os personagens, fragmentos do espaço e do tempo. Tudo isso é colocado num espaço de linhas que formam aquilo que conhecemos como quadrinho ou vinheta. Assim, os quadrinistas criam nesse espaço uma "síntese coerente e representativa da realidade", conforme diz Pierre Fresnault-Deruelle, citado por Paulo Ramos. Isso é um quadrinho (vinheta).
Waldomiro Vergueiro (livro como "Como Usar As Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula), aprofunda dizendo que: "o quadrinho ou vinheta constitui a representação, por meio de uma imagem fixa, um instante específico ou de uma sequência interligada de instantes, que são essenciais para a compreensão de uma determinada ação ou acontecimento".
A condução da narrativa se dá através da comparação e sucessão das vinhetas.
Os Formatos das vinhetas
O formato mais conhecido e comum de uma vinheta é a forma de um quadrado ou retângulo, mas isso não é uma regra. Existem vinhetas circulares, trapezoidais, triangulares, diagonais, entre outros.
De acordo com Thierry Groensteen (livro "O Sistema dos Quadrinhos"), é importante destacar parâmetros espaçotópicos para descrever de maneira precisa qualquer quadro. São eles: forma da vinheta, área que o quadro ocupa (medida em centímetros quadrados) e a posição do quadro (sua localização na página e em toda a obra).
Os dois primeiros parâmetros citados acima são geométricos e definem a vinheta como espaço. A localização do quadro é importante, pois tem relação direta com a narrativa. As vinhetas têm motivos específicos para estarem em determinada posição. (Exemplo: alguns quadrinistas colocam acontecimentos centrais no primeiro quadro ou no quadro do meio, ou ainda no último. Além disso, podem fazer rimas visuais entre o primeiro e o último quadro da página)
Vale dizer que a escolha do formato da vinheta depende muito da intenção do desenhista e do espaço físico usado para produzir a história. Vejamos alguns exemplos (explicações estão na legenda das imagens):
Exemplo 1: Cena de Tex - A Grande Intriga de G. L. Bonelli (roteiro) e Erio Nicolò (arte) - Editora Mythos
Exemplo 2: Cena de Lanterna Verde e Arqueiro Verde de Dennis O'Neil (roteiro) e Neal Adams (arte) - Editora Panini
Exemplo 3: Cena de Lanterna Verde e Arqueiro Verde de DennisO'Neil (roteiro) e Neal Adams (arte) - Editora Panini
Exemplo 4: Cena de Batman - O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (roteiro e arte), Klaus Janson (arte-final) e Lynn Varley (cores) - Editora Panini
Exemplo 5: Cena de Doutor Estranho - o Juramento de Brian K. Vaughan (roteiro), Marcos Martin (arte) e Willie Schubert (cores) - Editora Salvat
Exemplo 6: DC - A Nova Fronteira de Darwyn Cooke (roteiro e arte) e Dave Stewart (cores) - Editora Panini
Exemplo 7: Cena de Super Powers de Paul Kupperberg (roteiro), Jack Kirby (arte), Greg Theakston (arte-final) e Joe Orlando (cores)
Exemplo 8: Tirinha de Garfield por Jim Davis (roteiro e arte)
Exemplo 9: Página de The Spirit por Will Eisner (roteiro e arte)
Exemplo 10: Página dupla de We3 por Grant Morrison (roteiro), Frank Quitely (arte) e Jaimie Grant (arte-final e cores)
Exemplo 11: Página de Promethea por Alan Moore (roteiro), J.H. Willians III (arte), Mick Gray (arte-final) e vários coloristas atuaram na série
Poderíamos ver diversos outros exemplos de diferentes formatos de vinhetas e os sentidos que elas produzem, mas creio que esses já são suficientes para percebermos que não há limites de formatos e formas nos quadrinhos e que as vinhetas têm uma função muito maior do que apenas conter as imagens.
O contorno da vinheta
Geralmente, as vinhetas possuem uma borda que as delimitam (como podemos ver na maioria dos exemplos acima). Essas linhas que contornam e delimitam o quadrinho recebem diferentes nomes: linha demarcatória, contorno do quadrinho, moldura do quadrinho e requadro. (Eu prefiro o termo requadro).
O pesquisador belga Thierry Groensteen, no clássico livro "O Sistema dos Quadrinhos" (sim, de novo esse livro), destaca que o requadro é ao mesmo tempo traço e medida do espaço ocupado pela imagem. O autor elenca 6 funções para o requadro:
Função de fechamento: é a primeira e mais básica função. O requadro rodeia o quadro, e consequentemente, determina a forma dele.
Função de separação: o requadro isola os quadros uns dos outros, para que possam ser lidos em separado. Aqui, Groensteen, diz que o requadro exerce um papel semelhante aos signos de pontuação da língua (incluindo o branco que separa duas palavras).
Função de ritmo: os quadrinhos obedecem um ritmo que é imposto pela sucessão de requadros. Nas palavras do autor: "Cada novo quadro precipita a narrativa, e, simultaneamente, a contém. O requadro é o agente dessa dupla manobra de progressão/retenção".
Função de estrutura: "o requadro, tanto quanto estrutura o espaço, é elemento determinante da composição da imagem." Assim, ele informa o desenho que está dentro de si e tem influência sobre a leitura. Esta função também está associada com a forma das vinhetas.
Observação: No começo desta publicação, eu disse que o formato mais comum de vinhetas é o retangular ou quadrado. Mas por qual motivo? Bom, neste tópico sobre a função de estrutura do requadro, Thierry Groensteen explica o porquê. Ele mostra que como o suporte impresso do quadrinho é retangular, as vinhetas têm a tendência de entrar em uma relação mimética (de homologia ou de "autorrepresentação" com a forma de seu suporte. É uma maneira de cooperação com o suporte).
Outra explicação dada pelo autor é que as formas retangulares ou quadradas são mais fáceis de serem dispostas em série, ou seja ordenada em tiras. (a presença de uma vinheta de formato diferente obriga que as outras sejam distorcidas para ocuparem bem o espaço do suporte - olhe o exemplo 7 do tópico anterior).
Função de expressão: O estilo do requadro pode servir para expressar determinadas ideias. Além disso, as linhas de contorno podem indicar flashbacks ou sonhos.
Função de indicador de leitura: o requadro sempre é um indicativo de algo a ser lido. Ao nos deparamos com um requadro, somos levados a supor que, dentro dele, existe uma mensagem a ser decifrada. Deste modo, podemos dizer que o requadro é sempre um convite para parar e analisar.
Vejamos agora, diferentes tipos de requadro: (as explicações estão nas legendas da imagem)
Exemplo 1: Página de Asterix e o Caldeirão por René Goscinny (roteiro) e Albert Uderzo (arte) - Editora Record
Exemplo 2: página de Mulher-Maravilha Terra Um de Grant Morrison (roteiro), Yanick Paquette (arte) e Nathan Fairbairn (cores) - editora panini.
Exemplo 3: Página de O Espetacular Homem Aranha #1 de Stan Lee (roteiro) e Steve Ditko (arte)
Exemplo 4: Página de Alho Poró de Bianca Pinheiro (roteiro e arte) - editora Conrad
Exemplo 5: Tirinhas da Laerte (roteiro e arte)
Exemplo 6: Página de Avenida Dropsie - A Vizinhança de Will Eisner (roteiro e arte) - editora Devir
Exemplo 7: Fradim de Henfil (roteiro e arte)
Exemplo 8: Página de Minha Coisa Favorita é Monstro de Emill Ferris (roteiro e arte)
Com estes exemplos, podemos concluir que as linhas demarcatórias do requadro não são gaiolas ou grades que devem prender os quadrinistas. Muitas imagens rompem os limites dos quadros, em alguns casos não existem limites, os contornos podem ser retos, tortuosos, arredondados, ondulados, com borda, etc. Isso vai depender da necessidade e criatividade das pessoas que vão produzir o quadrinho.
Termos importantes:
Tira: Conjunto de quadros que estão na mesma fileira horizontal separados por intervalos. Essa fileira de vinhetas forma, com frequência, uma unidade única. O termo tira pode ser usado para as histórias curtas de três, quatro ou mais quadros como vemos em jornais, por exemplo, ou, para referir-se a uma fila única de vinhetas da página de uma revista em quadrinhos ou graphic novel. (A tira também pode ser chamada de fileira ou faixa)
Sarjeta: espaço que separa os quadros (vinhetas). Normalmente são espaços brancos ou da cor do papel sem impressão. Mas podem ter outras cores quando o cenário onde os quadros aparecem são de cores diferentes, pois a sarjeta apresentará a cor correspondente. A sarjeta também pode ser chamada de elipse, calha, espaço intericônico, entrequadros, entrimagens ou vazio intericônico.
Prancha: É a página em sua totalidade (conjunto de quadros e tiras). A página também é chamada de lâmina.
Hiper-requadro: termo criado por Benoît Peeters (filósofo, roteirista de quadrinhos, estudioso das HQs, romancista francês) e bastante usado por Groensteen. Segundo ele, o hiper-requadro está para a prancha assim como o requadro está para o quadro. Esta definição só se aplica a uma única unidade que é a prancha. Em suma, o hiper-requadro é a unidade que abarca todos os quadros menores em uma página, conforme a explicação de Barbara Postema no livro Estrutura Narrativa dos quadrinhos - Construindo sentido a partir de fragmentos.
Multirrequadro: é outro termo utilizado por Thierry Groensteen. Este termo pode ser aplicado a qualquer unidade composta por múltiplos quadros. Assim, uma tira, uma página, uma página dupla, uma série de páginas ou quadrinho inteiro pode ser um multirrequadro. Assim, ele não possui fronteiras estáveis como o hiper-requadro. Suas fronteiras são a obra como um todo (uma tirinha isolada ou uma HQ inteira). O multirrequadro é a soma dos requadros que compõem uma história em quadrinhos. (É, também, a soma dos hiper-requadros).
Na próxima semana, falaremos sobre enquadramento e angulação. Não percam!
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