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Foto do escritorIuri Biagioni Rodrigues

Conhecendo os Quadrinhos Parte 6: Layout de página

Vamos conhecer um pouco sobre os diferentes tipos de layout de página das HQs

Por: Iuri Biagioni Rodrigues


O tema de hoje é o layout das páginas de quadrinhos. Mas o que é layout? Resumidamente, podemos definir layout como gerenciamento e organização do espaço.


Deste modo, conforme explica Thierry Groensteen (livro "O Sistema dos Quadrinhos"), o layout é responsável por distribuir a cadeia narrativa pelo espaço e por atribuir a cada unidade em situação narrativa sua forma, superfície e posição.


O layout está intrinsecamente ligado à decupagem que é a condução da narrativa. Como diz Groensteen: "Decupagem e layout informam-se mutuamente". Assim, a leitura de uma página de quadrinhos é sempre o resultado de uma ação conjugada da decupagem e do layout.


A pesquisadora holandesa Barbara Postema (livro "Estrutura Narrativa nos Quadrinhos - construindo sentido a partir de fragmentos") mostra que a localização e o espaço das sarjetas e requadros (ver parte 4 de Conhecendo os Quadrinhos) são uma questão de escolha nas HQs. Isso evidencia que o layout se relaciona com a significação de forma total, na construção do sentido em quadrinhos. A autora acrescenta que as funções de significação das histórias em quadrinhos não são baseadas apenas nos signos presentes como o conteúdo da vinheta, e sim são fortemente regidas pela maneira que as vinhetas são organizadas no espaço da página e como, se for o caso, que elas são molduradas. Deste modo, o layout e as lacunas, que fazem parte do todo, são fundamentais para a significação dos quadrinhos.


Ainda segundo Postema, as sarjetas e molduras oferecem a estrutura do layout e, ainda, relacionam-se com outros elementos da página como a margem. O conjunto desses elementos transforma a página em uma estrutura significante e sinalizam a existência da sequência ao criar uma progressão de quadro a quadro.


Barbara Postema diz que para compreender o impacto do layout, é necessário observar de maneira mais atenta algumas de suas diferentes possibilidades. É exatamente isso que faremos agora.


A taxonomia dos layouts


Os quadrinistas costumam utilizar tipos específicos de layout, como uma simples estrutura de página para um trabalho específico. Essa estrutura envolve a quantidade de vinhetas presentes em cada página e os dispositivos informacionais usados para separar um quadro dos outros: requadro (moldura) e sarjeta, o número de quadros e o espaço em volta deles.


Podemos decompor os layouts de página pela quantidade quadros presentes para destacar como a significação de seu conteúdo altera-se de acordo com o layout. Vamos ver 6 tipos diferentes. (Nomenclaturas retiradas de Barbara Postema)


1) Quadros com molduras, separados pelo espaço em branco (sarjeta):


É a forma mais comum, mais utilizada e, provavelmente, a mais tradicional de configurar a página, pois este layout evidencia a função da sarjeta de forma nítida. As páginas são bem separadas em tiras e as tiras são separadas em quadros. Esse tipo de layout de página cria um forte sentido de sequencialidade que une toda a página, mesmo sendo dividida em diversos quadros separados. As sarjetas sinalizam as várias conexões existentes entre as vinhetas presentes na página, levando a significação existente em uma vinheta para as outras.


A quantidade e tamanho dos quadros não é absoluta e nem fixa. No entanto, geralmente, as páginas são divididas em unidades regulares, como três ou quatro quadros por tira e três tiras por página.


Exemplo 1: página de Persépolis de Marjane Satrapi (roteiro e arte) - Editora Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.)


Layout tradicional com quadros com linhas demarcatórias e sarjetas separando os quadros

Exemplo 2: página de Tex O Homem de Atlanta por Claudio Nizzi (roteiro) e Jordi Bernet (arte) - Editora Mythos

A maior parte das histórias de Tex possui esse layout de página tradicional

Exemplo 3: página de Watchmen de Alan Moore (roteiro), Dave Gibbons (arte) e John Higgins (cores) - Editora Panini


Watchmen tem um layout bastante regular de 9 quadros por página (3 quadros por tira e 3 tiras por página). Algumas páginas desta HQ fogem desta estrutura, mas a maioria é dividida assim.


2) Um quadro por página (com ou sem moldura)


Uma história feita com quadros individuais por cada página envolve passagem da folha em relação ao próximo quadro. Esse tipo de layout, dá apenas uma função mínima para a sarjeta: sem sarjetas para criar uma amarra entre uma vinheta e outra, essa configuração de página possibilita quase um pequeno impulso na direção da outra imagem que está na próxima página. Esse layout evidencia que as imagens da HQ devem estar separadas para termos uma sequência, mas a separação não pode ser muito grande. Aqui, a divisão é feita de duas formas: contorno da página branca e pelo ato de virar a página.


Entretanto, como conseguimos ver apenas dois quadros ao mesmo tempo, esse layout enfraquece a cadeia que conecta os quadros uns aos outros. Deste modo, os quadros dessa configuração de página parecem se manter sozinhos, chamando a nossa atenção como obras de arte individuais em vez de parte de uma sequência.


Exemplo 1: Página de A Morte do Superman por Dan Jurgens (roteiro e desenhos), Brett Breeding (arte-final) e Glenn Whitmore (cores) - Editora Panini


A última história do arco da Morte do Superman é totalmente feita por um único quadro por página (temos páginas duplas também). Assim, a ação fica mais dinâmica.

Exemplo 2: página de White Collar: A Novel in Linocuts ("romance em linoleogravura") de Giacomo Patri - Editora Dover Publications Inc.


Nesta história dos anos 1930, temos um exemplo do uso de um quadro por página em toda a obra.

3) Poucos quadros por página


Nesse layout, assim como no anterior vemos quadros que são circundados por uma quantidade significativa de páginas vazias em todos os lados e não temos os quadros formando tiras, porém a presença paralela de diversos quadros em uma única página faz com que essa configuração seja bem diferente da do item 2, porque as vinhetas podem servir como uma sequência dentro de uma única página.


Exemplo 1: página de The Ticking de Renée French (roteiro e arte) - Editora Top Shelf Productions


Nesta HQ, a quadrinista Renée French varia seus layouts de página entre um quadro no meio da página e dois quadros dispostos horizontalmente um sobre o outro (imagem acima)

Exemplo 2: página de The Playboy por Chester Brown (roteiro e arte) - Editora Drawn and Quarterly


Neste quadrinho, Chester Brown usa um layout com muito poucos quadros por página para colocar em primeiro plano uma narrativa pessoal e de natureza memomorialista (o quadrinista conta como era sua experiência de colecionador/consumidor assíduo da revista Playboy na juventude). As vinhetas estão sempre em um fundo preto e variam de uma, duas ou três vinhetas por página.

4) Quadros sem moldura


Geralmente, esse layout utiliza relativamente poucas vinhetas por página, garantindo que sejam circundados por muitos espaços em branco e mantendo a função de separação exercida pela sarjeta intacta, mesmo sem ter o contorno formal. Os espaços em branco exercem o papel de sarjetas.


É muito raro encontrarmos quadrinhos que se apoiam exclusivamente do quadro sem moldura em todas as páginas. Normalmente, há uma mescla entre quadros com moldura e quadros sem moldura.


Esse tipo layout tem o efeito de reduzir a amarração entre um quadro e outro (isso ocorre pela ausência do requadro e das sarjetas formais como vemos no layout 1). Esse enfraquecimento diminui o ritmo da narrativa e gera um visual mais orgânico para a página.


Exemplo 1: página de Ao Coração da Tempestade por Will Eisner (roteiro e arte) - Editora Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.)


Aqui, vemos apenas um quadro com moldura, mas conseguimos visualizar a divisão da página

Exemplo 2: página de Nova York - A vida na grande cidade de Will Eisner (roteiro e arte) - Editora Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.)



Aqui, as vinhetas não possuem moldura, mas os próprios limites da porta fazem essa função. Além disso, os espaços que estão em branco fazem a função de sarjeta.

Obs: usei 2 exemplos da obra de Will Eisner, pois seus quadrinhos têm a característica de usar essa configuração de página com quadros sem moldura ou mesclando quadros com e sem contorno. Eisner fazia isso para libertar-se das limitações da indústria dos quadrinhos e do formato da página.


5) Diagramas


Layout caracterizado para designar páginas compostas por quadros que são separados apenas por linhas, e não por espaços de sarjetas entre os quadros. Esse layout pode ter diferentes significados e depende do que a pessoa quer passar com ele.


Exemplo 1: página de Batman Asilo Arkham por Grant Morrison (roteiro) e Dave McKean (arte) - Editora Panini


As vinhetas de Asilo Arkham estão todas apertadas e separadas por uma pequena linha. Aqui, esse layout foi utilizado para tornar as páginas densas e claustrofóbicas, condizendo com a atmosfera de Arkham, hospital psiquiátrico onde estão os maiores inimigos do Batman.

Exemplo 2: página de Dear Julia de Brian Biggs (roteiro e arte) - Editora: Top Shelf Productions


Nesta HQ, vemos que cada página tem quatro quadros circundados por uma margem branca. Os quadros são divididos igualmente por linhas que formam uma espécie de cruz. Assim, os quadros parecem estar esmagados. Essa ideia é proposital, pois o personagem principal é obcecado por voar, porque se sente observado e perseguido e quer fugir usando um enorme par de asas. O layout apertado (lembra uma gaiola) contrasta com a ideia de voar que é uma metáfora para liberdade

6) Inserção/anexação


Esse layout é composto por vinhetas emolduradas que existem dentro ou sobrepostas aos quadros maiores, de maneira que, pelo menos em volta da anexação no quadro, não há sarjetas nítidas. Isso acontece, porque os quadros menores ficam dentro ou acima, e as imagens maiores que preenchem todo espaço, deixam que o branco assuma papel das sarjetas.


Exemplo 1: página de Demolidor: O homem sem medo de Frank Miller (roteiro), John Romita Jr. (desenhos), Al Williamson (arte-final) e Christie Scheele (cores)


Nesta página dupla, vemos a anexação de seis vinhetas menores no espaço maior e fundo desta imagem maior faz a função de sarjeta para os quadros menores. As vinhetas menores funcionam para destacar (são um close) a luta do Demolidor com os bandidos.


Exemplo 2: página de Orquídea Negra por Neil Gaiman (roteiro) e Dave McKean (arte) - Editora Panini


Nesta página vemos a anexação de uma pequena vinheta no canto inferior esquerdo da página. Esta vinheta representa um close-up de um dedo no gatilho de uma arma. Nosso olhar vai direto para ela e depois vemos a arma sendo disparada e as extremidades do quadro sem moldura se espalham sob os quadros adjacentes. Aqui, a inserção funciona como o feito sonoro do disparo que não aparece de forma textual.

Obs: podemos ter histórias que são elaboradas seguindo o mesmo layout em todas as páginas e outras que mesclam todos ou alguns deles ao longo de suas páginas.


Na próxima semana, falaremos sobre os balões e recordatórios!


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