Vamos conhecer um pouco sobre as origens e evolução dos quadrinhos japoneses!
Por: Iuri Biagioni Rodrigues
Nesta 13ª parte da série conhecendo os quadrinhos vamos conhecer um pouco mais sobre as origens e evolução dos mangás, os quadrinhos japoneses. Na parte 1, conhecemos que a palavra mangá significa desenhos hilariantes ou involuntários. Agora, vamos conhecer a origem dos mangás! Irasshaimase (bem-vinda, bem-vindo, bem-vinde em japonês) e boa leitura!
No Brasil, usamos o termo mangá com o acento agudo no último "A" por ideia da professora e pesquisadora de HQs Sonia Luyten para diferenciar a palavra da fruta manga. Essa variação gráfica consolidou-se no Brasil com o tempo. Sonia utilizou essa variante de escrita na revista Quadreca, nº3 no ano de 1974.
Os mangás como conhecemos hoje surgem no final do século XIX, mas suas raízes estão profundamente ligadas com a arte e cultura japonesa. É isso que vamos ver agora.
Primeiramente, podemos pensar nas xilogravuras do Período Edo (1615–1868), pois elas eram uma forma de arte popular e bastante apreciada, principalmente para ser dada de presente. Elas retratavam cenas de lendas, do folclore e de casos populares. Nesse período, alguns artistas inovam e começam a produzir gravuras coloridas e com temas mais diversos, originando assim, as estampas Nishiki-e.
Outros artistas começaram a produzir estampas com imagens justaposta e em sequência. O artista Tawaraya Sōtatsu (1570-1643) criou uma técnica com imagens abstratas e flutuantes de maneiras justapostas (conhecida como “imagens do mundo flutuante"). Futuramente, surgiria a Ukiyo-e, uma estampa colorida e sequencializada de maneira justaposta em placas, trazendo cenas cômicas, hilariantes e inesperadas. Essa é principal raiz dos mangás.
Outras influências que podemos mencionar são os estilos artísticos das Chojugiga que (desenhos feitos sob papiros de animais engraçados em situações bizarras e inusitadas, retratando fábulas budistas ou apenas situações hilárias) que aparecem por volta do século XI. Ao conquistar maior apreciação, no século XVIII, passam a ser comercializados e ficam mais conhecidos como Toba-e. A linguagem cartunesca e caricatural vai influenciar diversas produções no Japão.
Outra forma de arte interessante são os E-makimonos, pergaminhos que possuíam cenas cômicas e escatológicas. Essas produções tinham traços estilizados e traziam a ideia de sequencialidade através da leitura de imagens fragmentadas.
Com o tempo, o Ukiyo-e passa por inovações e torna-se bem popular. Entre suas características estavam a utilização de textos e imagens justapostos em sequência definida e tendo a escatologia e a sexualidade como principais temas, embora versassem sobre outras temáticas também. Ukiyo-e era o nome de uma técnica, então quando ela tratava de um tema específico, recebia um nome relacionado com esse assunto. Deste modo, ōkubi-e era o nome de obras que retratavam mulheres bonitas, kachō-e representavam a natureza e Shunga referia-se às produções eróticas. Essa informação é importante, pois os mangás recebem vários nomes de acordo com a temática e aparência que possuem. (A influência veio daí).
Repare que estas imagens têm sua narrativa construída com base na justaposição de imagens, ou seja, na sequência delas. A partir disso, a produção de materiais que combinavam texto e imagem vai crescendo cada vez mais. O trabalho de Koikawa Harumachi, artista do século XVIII, pode ser visto como um protótipo do mangá moderno.
Após toda essa apresentação, vamos, finalmente ver o surgimento do mangá! A origem do nome deste material está atrelada ao artista Katsushika Hokusai (1760-1849) que desde jovem chamou atenção pela sua qualidade técnica e inovações temáticas no século XIX.
Hokusai começou a ganhar destaque com a produção de gravuras do Monte Fuji, montanha mais alta do Japão localizada na ilha de Honshu. Suas ilustrações representavam a montanha em diferentes ângulos e nas diferentes estações do ano. Durante o final de sua carreira, ele produziu diversas ilustrações em tamanho grande que foram organizadas e publicadas em forma de página dupla. Havia gravuras de diversas temáticas como cenas do cotidiano, conversas, animais, plantas, paisagens e folclore sobrenatural. Além disso, foram utilizadas diferentes técnicas na confecção desses trabalhos. O primeiro volume que reuniu milhares de desenhos foi chamado de "Hokusai Manga" e publicado no ano de 1814. É importante lembrar que esta obra não formava um todo narrativo.
Com o lançamento desse material o termo "manga" se popularizou, especialmente no Ocidente. Entretanto, não se pode dizer que Hokusai criou o mangá. A publicação de seu trabalho trouxe um novo estilo gráfico e editorial de contar e organizar histórias. Aliás, foi por interferência editorial que os desenhos foram separados por molduras com espaço em branco entre eles. (Repare que esses elementos são conhecidos, respectivamente, como requadro e sarjeta/calha nos quadrinhos conforme vimos na parte 4 dessa série). Como Hokusai era um grande mestre, outros artistas decidem elaborar seus trabalhos com gravuras da mesma maneira.
Após a morte de Hokusai, o seu trabalho foi exposto na Exposição Mundial de Paris em 1867. Neste evento, foram selecionadas obras que satirizavam a aristocracia japonesa e os samurais que eram figuras influentes do período Edo e que perderiam importância com o início da Era Meiji (1868-1912). Foi assim que o Ocidente tomou conhecimento de um estilo de desenho com características cômicas e irreverentes que ficou conhecido como mangá.
Assim, a produção de mangá floresce no Período Meiji. Nesta época, o Japão passou por profundas modificações políticas, sociais, econômicas e culturais. Entre elas podemos destacar: o fim do feudalismo japonês, começo do Império japonês, abertura de portos para outros países, urbanização e modernização do país, industrialização, crescimento econômico e aproximação com o Ocidente. Todas essas transformações também chegaram na arte. Os ukiyo-e perderam espaço para um novo estilo que foi divulgado principalmente pelos jornais. Muitos artistas tiveram que se reinventar.
Os jornais contavam com trabalhos cômicos e satíricos semelhantes aos cartuns e charges que já eram produzidos na Europa. Os artistas começam a se destacar nessa nova fase são aqueles que foram instruídos por estrangeiros. O principal deles é, sem dúvida, Rakuten Kitazawa (1876-1955).
Kitazawa começou sua carreira como ilustrador, depois tornou-se chargista e ficou amplamente conhecido e famoso por ser o primeiro a fazer uma série contínua e de personagem fixo com o nome de Jiji manga de 1899 (com influência ocidental). Ele também foi o primeiro a usar o termo Mangaká para referir-se ao profissional que produz mangás. Apesar de algumas diferenças de opiniões, podemos dizer, com base na historiografia deste tema, que Kitazawa foi o primeiro artista associado com a origem do mangá como conhecemos hoje.
Outra importante contribuição de Kitazawa é a introdução da revista com produção coletiva no Japão. Ele criou a Tokyo Puck em 1905 que era inspirada na revista estadunidense Puck Magazine. De acordo com Carolina Plou Anadón, historiadora da arte especializada em produção japonesa, no artigo El primer mangaka profesional: la figura olvidada de Rakuten Kitazawa: esta revista de Kitazawa tinha enfoque internacional, sendo traduzida para o inglês e chinês e sendo publicada na Coreia e em Taiwan. Foram impressos 100 mil exemplares. Ele atou como editor desta revista até 1915. Em 1908, ele lança uma revista voltada apenas para o público infantil chamada Furendo.
Sua última obra de relevância foi Tonda Haneko Jô (A Senhorita Haneko Tonda). Kitazawa aposentou-se em 1932, mas não abandonou os mangás. Em 1934, ele cria uma academia especializada em caricatura, pintura e mangá. Manteve seu ateliê até 1948 e, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), trabalhou para o governo produzindo desenhos dos soldados mortos em combate.
No final da Era Meiji e durante o Período Taisho (1912-1926), surgem diversas revistas voltadas para o público infantil e jovem. Como exemplo temos: Shōjo no Tomo - voltada para as meninas (1908), Shonen Kurabu (1914), Shojo Kurabu (1923) e Yonen Kurabu (1926). Nessas publicações, havia variações de temas e estética, colaborando para a difusão dos subgêneros dos mangás (assunto que será abordado em breve). Algumas dessas revistas chegavam a ter 400 páginas!
Os grandes nomes do Período Taisho são: Ippei Okamoto (1886-1948) e Katsuichi Kabashima.
Okamoto começa seu trabalho em 1912. Sua primeira revista foi a Kuma o Tazumete. Ele inovou introduzindo uma nova forma de atuação ao jornal: o mangá-kisha (mangá-jornalista) que popularizou ainda mais a profissão de desenhista para a sociedade da época. Ele também introduz muitas tiras famosas nos Estados Unidos e no Japão, influenciando muitos artistas que vieram depois dele.
Kabashima é o autor de Shû Chan No Bôken (As Aventuras de Sho-chan) lançado em 1923. A sua principal contribuição nessa obra foi introduzir os balões nas falas dos personagens. Além disso, ele trouxe a novidade da parceria, pois ficou responsável pela arte enquanto Nobutsune Oda era encarregado do roteiro.
Posteriormente, com a chegada do Período Showa (1926-1989), os mangás começaram a retratar novas temáticas como as guerras que envolviam o Japão e afetavam o modo de vida das pessoas. Nesse contexto, o modo de produzir mangás mudou profundamente.
Esse assunto ficará para a parte 14 da série Conhecendo os Quadrinhos. Ki wo tsukete (cuide-se) e mata ato de! (até breve!)
Texto produzido com base no material didático sobre mangás da especialização em Histórias em Quadrinhos da Faculdades EST de autoria de Amaro Xavier Braga Júnior (além dos artigos citados anteriormente).
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