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Crítica: Bordados

Atualizado: 24 de fev.

Um retrato bastante intimista sobre a vida e sexualidade das mulheres iranianas.

Por: Iuri Biagioni Rodrigues


Bordados é um quadrinho da iraniana Marjane Satrapi que foi lançado na França em 2003. No Brasil, a obra foi publicada pela Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.) no ano de 2010 com tradução de Paulo Werneck.


Nesta história, vemos alguns elementos que já estão presentes em Persépolis, obra-prima de Marjane, que são características de seus trabalhos. Estou falando do feminismo que aqui é forte e, ao mesmo tempo, sutil e dos hábitos e cultura do Irã, principalmente aquilo que tange às mulheres desse país.


Em Persépolis, a quadrinista contou a sua história de vida no contexto da Revolução Iraniana e dos fatos que são consequências desse processo. Bordados pode ser analisado como uma extensão, um apêndice de Persépolis, mas desta vez, o foco não está em Marjane. O foco aqui é a história de vida das mulheres que são da família e/ou amigas da autora. Ao contar sobre essas mulheres, Marjane abre os nossos olhos para todas mulheres do Irã que vivem sob um regime opressor. Além disso, ela dá voz e lugar de fala para elas.


Aqui, somos apresentados a um costume das mulheres família de Marji: sentar-se ao redor do samovar, o tradicional bule de chá iraniano e praticar a sua atividade preferida: conversar. A avó de Marjane (a mesma que vemos em Persépolis) diz que "falar dos outros pelas costas é ventilar o coração". Assim, elas ventilavam o coração em uma longa sessão.


Cada uma das mulheres presentes na reunião contará um pouco das suas experiências amorosas e sexuais com homens de todos tipos. Elas também compartilham a história de algumas de suas conhecidas. Deste modo, conhecemos diversas histórias que mostram como os relacionamentos têm particularidades bem complexas e peculiares no Irã.


Primeiramente, conhecemos a trajetória Nahid, amiga da avó de Marjane, que perdeu a virgindade no relacionamento com seu namorado quando tinha por volta de 18 anos. Entretanto, seus pais já a haviam prometido em casamento a um outro rapaz. Para evitar a vergonha e a fúria de seu pai por não casar virgem, ela, por sugestão da avó de Marjane, decide se cortar com uma pequena agulha durante a relação sexual com o marido para enganá-lo, mas durante o ato ela acabou cortando o esposo em vez de si mesma.



Depois, uma amiga da filha que teve quatro filhos relata que nunca viu um pênis na vida, porque o marido a obrigava a manter relações sexuais com ele no escuro. Na sequência, uma tia de Marjane revela que quando tinha 13 anos, foi forçada por seus pais a se casar com um general de 69 anos. Ela fugiu na noite de núpcias e depois de alguns anos foi viver na Europa.


A tia de Marjane começando a contar a sua experiência.

Só com isso já temos noção das complicações e problemas enfrentados pelas iranianas. Além desses casos, o quadrinho mostra que uma mulher que buscava em ir para o Ocidente aceito a se casar com desconhecido que nem foi ao casamento (colocaram só uma foto dele na cerimônia!), outra casou-se ainda jovem com um cara que logo partiu para a Alemanha e que a traía constantemente, mesmo quando ela estava junto dele na Alemanha, então ela decide se tornar amante de um rapaz. Depois, ela termina com os dois e volta para o Irã. A HQ traz outros relatos que não vou citar aqui para não me alongar mais e evitar de dar grandes spoilers. (Até aqui dei spoilers pequenos).


Na crítica de Persépolis comentei que Satrapi possui uma incrível capacidade de contar histórias. Aqui, não é diferente! A narrativa é bastante fluida e dinâmica, tanto que nos prende do início ao fim. Além disso, temos a sensação de estar presente tomando um chá e ouvindo as personagens ventilando o coração.


No texto de Persépolis também escrevi que a quadrinista possui uma grande habilidade em trabalhar humor e drama. Em Bordados, isso fica evidente novamente. O humor é mais forte e é um humor bastante inteligente e crítico.


Para construir as páginas, Marjane Satrapi não utiliza e não fica presa no uso dos quadros delimitados. Seus layouts são mais livres, deixando as personagens soltas pelas páginas. O traço é simples e em preto em braco, mas muito expressivo. O uso da letra cursiva nos balões e narrações, contribui para o tom intimista da história.


Marjane sempre traz reflexões interessantes

Concluindo, Marjane Satrapi nos surpreende novamente em Bordados. Ela traz elementos da cultura do Irã que nós do Ocidente dificilmente conhecemos, diz bastante sobre o modo de vida e sexualidade feminina no Irã, mostrando que as mulheres são protagonistas de sua história e evidenciando que elas são donas de seus próprios corpos, num país machista e opressivo. Além disso, Satrapi mostra que apesar das diversas diferenças culturais existentes entre Oriente e Ocidente, as necessidades, os desejos, as aflições e, principalmente, a lutas das iranianas são muito mais próximas do que poderíamos imaginar. É mais um excelente trabalho da autora.


Obs: trazendo uma pequena curiosidade, o título Bordados tem um duplo sentido: faz referência ao ato de costurar que tradicionalmente é atribuído às mulheres e também é expressão utilizada para fazer referência à cirurgia de reconstrução do hímen, procedimento adotado por mulheres que desejam manter uma vida sexual ativa antes do casamento, mas que precisam conciliar isso com o moralismo religioso existente em seu país.


Para quem só se importa com números:

Nota= 9/10


Dados da HQ:

Roteiro: Marjane Satrapi

Arte: Marjane Satrapi

Editora original: L'Association

Editora no Brasil: Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.)

Tradução: Paulo Werneck

Revisão: Mariana Nogueira e Isabel Jorge Cury

Composição: Lilian Mitsunaga

Número de páginas: 136

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