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Crítica: Avenida Dropsie - A Vizinhança

Não são as construções que definem uma boa vizinhança, são as pessoas!

Por: Iuri Biagioni Rodrigues

Avenida Dropsie - A Vizinhança

William Erwin Eisner (1917-2005), mais conhecido como Will Eisner, é um dos maiores nomes das histórias em quadrinhos, tanto nos Estados Unidos, seu país natal, quanto no mundo. Ele produziu obras memoráveis como Spirit, Um Contrato com Deus, Nova York - A vida na grande cidade, Ao Coração da Tempestade, entre outras. Entretanto, na minha opinião, muitas vezes, um de seus quadrinhos não recebe o devido destaque. Estou falando de Avenida Dropsie - a Vizinhança!


Lançada nos EUA originalmente em 1995, esta graphic novel conta a história da fictícia Avenida Dropsie, que já havia aparecido em outros trabalhos de Eisner. No Brasil, ela foi publicada pela editora Devir em 2005 pela primeira vez, com tradução de  Leandro Luigi Del Manto.


Aqui, o lendário quadrinista nos mostra a trajetória da vizinhança desde sua origem no período colonial, quando Nova York ainda era Nova Amsterdam, até meados do final do século XX, com a famosa cidade já sendo uma grande metrópole e uma espécie de arco-íris étnico e cultural.


Assim, ao longo da obra, vemos o surgimento da avenida Dropsie, que foi um núcleo de povoamento holandês nos seus primeiros anos. Depois, os ingleses chegam e temos o começo de um conflito étnico, uma característica da obra. Posteriormente, irlandeses, italianos, judeus, latinos e afro-americanos se estabeleceram na região. Cada grupo deixa suas marcas culturais no local. Deste modo, a Avenida Dropsie possui uma identidade própria marcada por diferenças. Will Eisner aborda muito bem esses conflitos, costumes de cada povo e a migração. Juntamente, podemos refletir sobre intolerância, preconceito, xenofobia, luta de classes e violência.


Eisner também trabalha muito com a evolução do espaço. No começo do quadrinho, percebemos que a vizinhança é composta por pequenas fazendas. Depois, vemos as primeiras casas (ainda pequenas) e, com o passar do tempo, aparecem as mansões, os prédios, as casas de trabalhadores, os cortiços, a estação ferroviária e as indústrias. A arte de Will Eisner é perfeita nesse registro. Ele mostra de maneira clara e brilhante fenômenos como urbanização, verticalização e gentrificação nesse processo de transformação de sua vizinhança da ficção. (Ainda há espaço para abordar a especulação imobiliária!)


Além das questões do espaço urbano, a história também desenvolve a questão histórica e social de cada período em que é ambientada. A HQ mostra como cada pessoa que vivia na Avenida Dropsie foi afetada por algum acontecimento marcante da história dos EUA ou global. O mestre da nona arte traz eventos como a industrialização, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Lei Seca (1920-1933) e a Crise de 1929, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra Fria e seus desdobramentos (Guerra da Coreia e do Vietnã por exemplo), movimento hippie, entre outros. Através das relações pessoais dos moradores, Will Eisner mostra como os diferentes acontecimentos históricos impactaram a realidade local, ou seja, como o global reflete no local.


Como um exemplo do que foi dito acima, podemos mencionar uma passagem que ocorre durante a 2ª Guerra, pois observamos o antissemitismo de moradores alemães para com seus vizinhos judeus e a rivalidade dos demais com os alemães. (Vale lembrar que o autor era judeu)

Outro aspecto da genialidade de Eisner que vemos neste quadrinho é a ausência de personagens principais. Na verdade, o protagonismo é da própria Avenida Dropsie e o quadrinista trabalha com vários personagens de diferentes épocas que têm suas histórias entrelaçadas ao longo das páginas. Enfim, o roteiro é ótimo e os diálogos também.


Agora, em termos de narrativa visual, Will Eisner dá uma aula! Suas composições de páginas são excelentes, não ficando presas às linhas demarcatórias dos requadros. Em muitos momentos, os personagens aparecem livres pelas páginas. Vemos elementos do cenário como postes, portas e janelas exercendo a função de separação de quadros e percebemos elementos da história, como fumaça de cigarro e notas de dinheiro, funcionando como vinhetas. Além disso, as páginas inteiras valorizam as transformações pelas quais as construções passaram ao longo dos anos. O traço cartunesco de Eisner também precisa ser exaltado, porque ele consegue trazer muito peso para as expressões faciais e sentimentos das pessoas que aparecem na história.


Will Eisner era filho Filho de imigrantes judeus vindos do antigo Império Austro-húngaro, nasceu no Brooklyn e foi criado no Bronx. Com isso, desenvolveu uma ligação muito forte com a cidade de Nova York e um interesse pela questão urbana e a dinâmica de seus espaços e relações sociais. Tudo isto é muito evidente em Avenida Dropsie - A Vizinhança.


Por fim, Avenida Dropsie - A Vizinhança é um excelente quadrinho e uma ótima demonstração das transformações que acontecem no espaço urbano ao longo do tempo, bem como das relações pessoais nas grandes cidades e de como os grandes acontecimentos afetam o cotidiano das pessoas. Portanto, esta obra-prima evidencia o que o grande geógrafo Milton Santos escreveu: “Cada lugar é, à sua maneira, o mundo” (A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção - p. 213)


Para quem só se importa com números:

Nota= 10/10


Dados da HQ:

Roteiro: Will Eisner

Arte: Will Eisner

Editora original: Kitchen Sink

Tradução, adaptação e edição: Leandro Luigi Del Manto

Editora no Brasil: Devir

Nº de páginas: 176


Obs: Atualmente, esta história faz parte do encadernando Biblioteca Eisner: Um Contrato com Deus da Devir.


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