Um Whodunit muito bem feito e a Arma de Tchekhov!
Por Igor Biagioni Rodrigues.
Contém spoilers (não sobre a trama, mas sobre os princípios narrativos utilizados, se você acha que isso não estragará sua experiência, fique à vontade para ler).
Pegue influências de Agatha Christie, um roteiro muito bem feito, humor com críticas sociais, uma belíssima fotografia, uma ótima direção de arte, um elenco de peso e some a uma montagem de qualidade que você terá "Entre Facas e Segredos" como resultado dessa receita.
Harlan Thrombey era um famoso e milionário escritor, que após a sua festa de aniversário de 85 anos foi encontrado morto. Então, o detetive Benoit Blanc é contratado para investigar o caso. No meio de uma família conflituosa, ele percebe que todos podem ser considerados suspeitos.
Subvertendo o Whodunit:
O filme utiliza do clássico recurso narrativo whodunit ("Quem matou?") para conduzir o início da sua narrativa. Tal recurso consiste, inicialmente, no assassinato de um dos personagens da trama, desencadeando uma investigação acerca da identidade do responsável pelo crime.
O aparente suicídio do patriarca Harlan é o motor investigativo que conduzirá o filme. Porém, diferente do que é costume desse tipo de narrativa, popularizado pela Literatura, revela rapidamente o culpado pela morte e ocorrido naquela noite. Mas não sem antes nos mostrar o ponto de vista de cada um dos personagens sobre a noite do fatídico acontecimento. O filme não é linear e numa forma de "entrevistas de documentário" (algo que já reinventa o gênero de histórias de mistério ), descobrimos através das mentiras dos personagens um pouco sobre cada um e o porquê poderiam ser considerados suspeitos.
Com o assassino rapidamente revelado, deixamos de nos perguntar "Quem? Como? Por que?" para vermos o lado do assassino em questão e, olha só, até torcer por ele.
A Arma de Tchekhov:
Algo muito interessante e inteligente no roteiro de Rian Johnson é a utilização do princípio narrativo da Arma de Tchekhov.
Anton Pavlovitch Tchekhov foi um escritor e dramaturgo que concebeu esse princípio dramático de que todos os elementos demonstrados em uma história devem ser relevantes na mesma. Bom, isso está fortemente presente na trama de "Entre Facas e Segredos".
O Humor de "Entre Facas e Segredos":
A comicidade desse filme não é aquela que te faz gargalhar, é um humor crítico e satírico. A sátira aqui é em relação aos clichês das histórias de mistério e aos seus detetives. Sua crítica é a sociedade. As críticas sociais, assuntos políticos e ideológicos na Internet, opiniões sobre a política de imigração nos Estados Unidos e até a questão da meritocracia fazem desse universo muito próximo do nosso, enquanto todo o resto (mansões, riqueza e aspecto bucólico) o separa.
Vale destacar aqui a característica peculiar da personagem da Ana de Armas, Marta Cabrera, que vomita quando mente. Isso gera um humor físico que quebra um pouco do aspecto cadenciado da trama de forma positiva e ainda funciona como uma divertida manobra narrativa.
Aspectos Técnicos:
O filme possui um roteiro muito inteligente, cheio de camadas e atos que se desenrolam de maneira muito bem cadenciada, todos os elementos possuem significado, vide as estátuas da mansão, que são extremamente detalhadas mas não possuem olhos, sendo uma metáfora para os personagens da família Thrombey, que são ricos e elegantes, mas vazios por dentro.
Rian Johnson utiliza de planos estranhos que combinam muito com os momentos do filme, a fotografia é um espetáculo à parte, sendo teatral. Na verdade, toda equipe da Direção de Arte merece o mais sincero parabéns, pois os figurinos são estupendos! E o filme se passar praticamente o tempo todo na mansão dos Thrombey é mais um acerto para deixar essa história ainda mais cativante.
Os atores entregam ótimas performances, com destaque para Ana de Armas e Daniel Craig. No entanto, o verdadeiro ouro desse filme está na montagem. Ela se dá de maneira coesa e nos transporta pela trama de maneira muito inteligente.
"Entre Facas e Segredos" é aquele filme que surge de maneira despretensiosa mas te encanta pela forma que tudo foi feito. Sua narrativa e roteiro são muito inteligentes, sua montagem é espetacular, os atores são muito bons, seu humor é sagaz e sua direção de arte é belíssima. Dessa forma, o filme de Johnson dá um novo e elegante ar aos filmes de mistério, com toda certeza é um dos melhores "whodunit" e uma pedida certa para os amantes de filmes e livros do tipo.
Para quem só se importa com números:
Nota-8/10.
Ficha técnica:
Título Original: Knives Out.
País de origem: Estados Unidos.
Roteiro: Rian Johnson.
Direção: Rian Johnson.
Classificação: 14 anos.
Duração: 130 minutos.
Elenco:
Ana de Armas como Marta Cabrera.
Daniel Craig como Benoit Blanc.
Chris Evans como Hugh Ransom Drysdale.
Jamie Lee Curtis como Linda Drysdale.
Don Johnson como Richard Drysdale.
Michael Shannon como Walter "Walt" Thrombey.
Toni Collette como Joni Thrombey.
LaKeith Stanfield como Elliot.
Christopher Plummer como Harlan Thrombey.
Jaeden Martell como Jacob Thrombey.
Katherine Langford como Megan "Meg" Thrombey.
Riki Lindhome como Donna Thrombey.
Edi Patterson como Fran.
Frank Oz como Alan Stevens.
K Callan Wanetta Thrombey.
Shyrley Rodriguez como Alicia Cabrera.
Marlene Forte como Sra. Cabrera.
M. Emmet Walsh como Sr. Proofroc.
Prêmios:
Bandung film festival for imported film.
Costume Designers Guild Award de Melhor Figurino.
Satellite Award de Melhor Elenco.
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