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Foto do escritorIuri Biagioni Rodrigues

Crítica: A Idade de Ouro - Volumes 1 e 2

Atualizado: 29 de abr.

Uma excelente fábula social sobre luta de classes na Idade Média!

Por: Iuri Biagioni Rodrigues


A Idade de Ouro

A Idade de Ouro é um quadrinho francês lançado originalmente entre 2018 e 2020 pela editora Dupuis em dois volumes na França. A obra é fruto da parceria entre Roxanne Moreil e Cyril Pedrosa. Moreil é criadora da exposição feminista Une BD quand je veux si je veux e este foi seu primeiro roteiro. O experiente Pedrosa auxiliou no roteiro e foi responsável pela arte e pelas cores da HQ. No Brasil, a história foi lançada em 2022 pela editora Nemo em duas edições de luxo com tradução de Renata Silveira.


A trama desta história em quadrinhos é ambientada na Idade Média, mas não naquela que conhecemos. Aqui, vemos uma Idade Média fantástica e que diz muito mais sobre o tempo em que vivemos atualmente. A política e as questões sociais permearão toda a obra, tanto que logo nas primeiras páginas vemos um trio de camponeses que estão em um bosque passando fome e criticando o luxo da aristocracia, enquanto os nobres estão caçando. Depois, vemos uma festa e um grande banquete no castelo. Deste modo, o grande abismo existente entre a nobreza e os camponeses é um dos principais focos deste quadrinho.



A Idade de Ouro
Página dupla de A Idade de Ouro

Na sequência, descobrimos que o rei faleceu e que sua filha, a princesa Tilda deveria assumir o trono, mas acaba sendo vítima de um golpe de Estado arquitetado pela sua mãe, seu irmão caçula e por um conselheiro importante do reino. Assim, Tilda é exilada e é acompanhada por dois amigos: Lorde Tankred e o escudeiro Bertil.


O objetivo da princesa e de seus parceiros é restaurar o trono. Para isso, eles precisam viajar em busca de ajuda de um antigo aliado do rei e conseguir um exército. Durante essa jornada, várias coisas acontecem, mas gostaria de destacar uma em específico: a comunidade de mulheres. Num determinado momento, o trio vai parar numa vila onde só moram mulheres. Lá, elas vivem de maneira igualitária, ou seja, todas têm as mesmas condições, não existem ricas nem pobres e as decisões são tomadas em conjunto pela coletividade. Além disso, os homens não podem ter contato com elas. Nesse momento, a obra traz discussões políticas interessantes como desigualdade de gênero, socialismo e feminismo.


Conforme Tilda segue sua jornada, percebemos que as revoltas camponesas estão crescendo. Os camponeses estão cansados de serem explorados e de viver na fome e miséria, então começam a atacar e destruir propriedades dos nobres. Vale lembrar que, na vida real, as revoltas camponesas foram um dos principais fatores que contribuíram para o declínio do Feudalismo, modo de produção caracterizado pela economia de troca, sociedade agrária e rigidamente estratificada que vigorou na Europa medieval. Em A Idade de Ouro, as revoltas ocorrem inspiradas por um texto, que muitos consideram uma lenda, que conta a história de um período da humanidade em que não existiam senhores e servos, governantes autoritários, fome, pobreza e que todos viviam em igualdade. O texto é o livro conhecido como Idade de Ouro (daí o título da HQ) e traz consigo a mensagem do poder popular.


O primeiro volume acaba nesse momento de descoberta do livro e o segundo começa com a guerra civil entre os exércitos de Tilda e os de seu irmão. Os camponeses também continuam com sua revolução.


A Idade de Ouro
Um pouco da belíssima arte de Cyrill Pedrosa

Nesse contexto, Bertil adere ao movimento camponês e Tilda começa a ficar preocupada, pois esperava ter apoio popular para retomar o seu trono, mas o povo não quer governantes, ele quer liberdade e equidade. Tilda está cega em seu desejo de poder e não percebe que não há força capaz de conter uma ideia cujo tempo chegou e de salvar uma ideia cujo tempo já passou. Ela demora, porém entende isso e se junta à causa da Idade de Ouro.


Agora, vejamos alguns aspectos técnicos: O roteiro desta história é muito interessante e bem escrito. A narrativa é dinâmica e envolvente, assim que começamos a ler não conseguimos parar até acabar. Além disso, temos ótimos diálogos. Moreil e Pedrosa também sabem desenvolver muito bem os personagens, todos são bem trabalhados e fogem de maniqueísmos.


A Idade de Ouro
Manifesto usado pelos camponeses em sua revolta

A arte de Cyrill Pedrosa é um desbunde e um espetáculo à parte. O quadrinista cria painéis maravilhosos, cenários deslumbrantes, cidades e vilas bem detalhadas, ótimas cenas de ação e seus personagens parecem saltar e flutuar nas páginas. O artista também utiliza com maestria o Efeito de Luca, técnica criada pelo quadrinista italiano Gianni De Luca que é caracterizada por desenhar os personagens repetidas vezes para emular o movimento deles pelo cenário e, consequentemente, criar a ideia de passagem de tempo e espaço. Podemos comparar esse efeito com o plano sequência do cinema e com peças de teatro, onde os atores andam pelo palco passando por cenários ou tempos diferentes. (A ideia de utilizar esta técnica partiu de Roxanne).


A Idade de Ouro
Exemplo de Efeito de Luca

A Idade de Ouro
Mais um exemplo de Efeito de Luca.

O uso das cores é sensacional. Elas embelezam e valorizam a arte e se ligam com o tom da narrativa perfeitamente. No primeiro volume, as cores são vivas, claras e suaves, combinando com o ar de aventura deste momento da história. No segundo volume, o estilo das cores muda, elas ficam mais escuras e fortes, porque o tom da história muda. Ela fica mais séria, sombria e tensa. (Não existe nenhuma linha preta nesta HQ, tudo é colorido! )


Para criar seu espetáculo visual, Pedrosa inspirou-se em vitrais, retábulos, tapeçarias e iluminuras medievais, além das pinturas cheias de detalhes de Bruegel, artista mais importante da pintura renascentista belga. Ele misturou o estilo tradicional de arte (pincel e papel) com arte digital. Tudo foi feito com muito esmero.


Concluindo, A Idade de Ouro é muito mais profundo do que a história de uma princesa que perdeu trono e que precisa recuperá-lo. É um quadrinho sobre luta de classes, poder popular, ganância, tirania, feminismo, utopia e busca por um mundo melhor. A história nos diverte e, principalmente, nos faz refletir sobre a sociedade em que vivemos. Roxanne Moreil e Cyrill Pedrosa nos lembram que as desigualdades e injustiças do mundo não são naturais, elas são construídas social e culturalmente. Portanto, podemos mudar essa realidade assim como os personagens do quadrinho fazem. Para isso, devemos lutar contra a exploração, opressão e exclusão para construirmos um mundo melhor, enfim, para vivermos numa Idade de Ouro!


Para quem só se importa com números:

Nota = 10/10


Dados da HQ:

Roteiro: Roxanne Moreil e Cyrill Pedrosa

Arte: Cyrill Pedrosa

Cores: Cyrill Pedrosa

Editora original: Dupuis

Editora no Brasil: Nemo

Tradução: Renata Silveira

Número de páginas: 232 (volume 1) e 192 (volume 2)


Prêmios vencidos por A Idade de Ouro:

Prix Landerneau (2018): Melhor História em Quadrinhos

Prix de la BD Fnac/France Inter (2019): Melhor História em quadrinhos da marca Fnac








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