A banalidade do mal e o silêncio que ecoa...
Por Igor Biagioni Rodrigues.
"Zona de Interesse", dirigido por Jonathan Glazer, é um drama histórico ambientado na Segunda Guerra Mundial, baseado no romance de Martin Amis. O filme retrata a vida aparentemente normal do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller), que vivem ao lado do campo de concentração. Apesar da fachada de tranquilidade, eles estão diretamente envolvidos no genocídio em curso, que ecoa em gritos abafados de desespero. O filme retrata muito bem o conceito criado pela filósofa alemã, Hannah Arendt: A banalidade do mal. Mas para entendermos esse conceito, precisamos conhecer sobre duas pessoas e um julgamento.
Hannah Arendt era uma filósofa alemã, orientada por dois grandes filósofos de sua época: Heidegger e Karl Jasper. Na década de 1930, com a ascensão do nazismo, por ser de origem judaica, Arendt foi expulsa da universidade e, posteriormente, teve que fugir para os Estados Unidos, local onde passaria o resto de sua vida.
Eichmann, por sua vez, era um funcionário do regime nazista. Pessoalmente, nunca matou um judeu, mas foi um dos responsáveis por uma das maiores matanças da humanidade, "A solução final". A solução final foi uma ação do governo nazista para tentar remover dos lugares ocupados pelo exército alemão todos os judeus. Ele ajudou nesse plano. Após a derrota e morte de Hitler, na década de 1940, Eichmann fugiu para a Argentina e, na década de 1960, foi encontrado e levado a julgamento em Jerusalém.
Hannah Arendt foi então convocada por um jornal de Nova Iorque para cobrir o julgamento. O resultado dessa cobertura foi o livro "Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal". O livro é uma reportagem que fala sobre o nazismo nos mais diversos lugares do mundo. Porém, o importante para a presente crítica é uma lição que tiramos desse julgamento, segundo a própria autora.
Durante o julgamento, o funcionário nazista dizia não ser o monstro que o chamavam, e que os psicólogos afirmavam que ele não possuía problemas psicológicos. A questão que o livro aborda é: como uma pessoa considerada "normal" era capaz de cometer tantas atrocidades? Ele se dizia inocente no sentido da acusação, que aquilo que ele fez foi apenas seguir ordens. Aquilo chamado de maléfico, em seu contexto, era a lei, era o correto.
Eichmann era alguém que se dizia apenas um seguidor de ordens, buscava a ascensão social a qualquer custo, não tinha valores nem ideais. Praticava o mal de forma rotineira, de forma banal.
E o que isso tem a ver com o filme? Toda a família do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, passa todos os seus dias vivendo na maior tranquilidade e agindo da forma mais banal possível, enquanto literalmente ao seu lado, uma das maiores aberrações que a humanidade foi capaz de cometer acontece. Mas esse dia a dia não é a zona de interesse do filme. Não. O verdadeiro filme que acontece dentro desse longa é a história contada através dos sons, dos gritos abafados, dos tiros e da fumaça. De uma menina que aparece em cenas noturnas e em negativo, entregando comida para as pessoas.
"Zona de Interesse" é inovador ao contar de uma nova forma sobre os terrores do holocausto. Os planos abertos na residência, a cor dessaturada dos ambientes, a atitude indiferente dos personagens, somadas ao som que escutamos ao longo de toda a película, corroboram com o horror ao lado. O filme trabalha com nossa memória de outros filmes, de outras obras e estudos que possuímos sobre o assunto, o que faz com que saibamos o que está ocorrendo no campo de concentração, mas só nos é mostrado visualmente uma família banal vivendo seu cotidiano sem se importar com nada mais. Isso nos enoja, e saber que realmente acontecia, e que realmente acontece quando ignoramos aqueles que clamam por ajuda na rua mesmo ao nosso lado, só torna tudo ainda pior.
Hannah Arendt disse: "A minha opinião é de que o mal nunca é radical. É apenas extremo e não possui profundidade nem qualquer dimensão demoníaca. Ele pode cobrir e deteriorar o mundo inteiro precisamente porque se espalha como um fungo na superfície. Essa é sua banalidade. Apenas o bem tem sua profundidade e pode ser radical". Ela não defendia Eichmann, pelo contrário. Acreditava que o bem era difícil de se fazer, e que o mal era fácil, feito como rotina. No fim do filme, há o contraste do museu todo limpo com aquelas roupas queimadas e trocadas. Afinal, será que fazemos tão diferente assim? Arendt acreditava que o ser humano possui liberdade e outra forma de agir.
Para quem só se importa com números:
Nota- 8/10
Ficha Técnica:
Título Original: The Zone of Interest
País de Origem: Estados Unidos, Polônia, Reino Unido
Roteiro: Jonathan Glazer
Direção: Jonathan Glazer
Duração: 105 min.
Classificação: 14 anos
Elenco:
Christian Friedel como Rudolf Franz Ferdinand Höss
Sandra Hüller como Hedwig Höss
Johann Karthaus como Claus Höss
Nele Ahrensmeier como Inge-Brigitt Höss
Lilli Falk como Heideraud Höss
Medusa Knopf como Elfryda
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