Uma história banhada em sangue e petróleo.
Por Igor Biagioni Rodrigues.
É emocionante viver na mesma época que figuras históricas e importantes do meio artístico que tanto amamos. Scorsese é isso, parte da História do Cinema viva na nossa frente, e aos seus oitenta anos, nos ensinando e mostrando o que essa arte possui de melhor. “Assassinos da Lua das Flores” é mais um exemplo disso.
O filme é uma adaptação do livro-reportagem histórico de mesmo nome, escrito por David Grann e lançado em 2017. O jornalista juntou informações e materiais durante dez anos de pesquisa para contar a história do massacre sofrido pelos nativos da nação Osage, em Oklahoma, depois de descobrirem que suas terras possuíam petróleo em abundância. O longa originalmente possuía uma versão diferente da que foi para as telas. A ideia inicial era contar sobre a formação do FBI e a investigação sobre o massacre, mas devido à pandemia do COVID-19, as gravações foram adiadas e Martin Scorsese, durante o isolamento, reescreveu o roteiro, transformando-o num conto de faroeste macabro, recheado de drama, contando o horror dos nativos e tendo como ponto de vista os assassinos.
Através de um início bastante corrido, e não digo isso de forma ruim, já conseguimos entender toda a dinâmica do longa através da apresentação de seus personagens. Ernest (na boa atuação de Leonardo DiCaprio) é adaptável ao seu trabalho, é maleável, manipulável, pouco inteligente, mas ao mesmo tempo bastante esperto e, acima de tudo, ama dinheiro. Bill (na ótima performance de Robert De Niro) é um homem que busca incessantemente por lucro, líder nato e extremamente inteligente, que se vangloria de saber o idioma do povo Osage e de ter boas relações com eles (mas só o fez para conseguir ir bem nos negócios).
Interpretada magistralmente por Lily Gladstone, temos Molly, uma indígena da nação Osage, que tem o difícil trabalho de representar um povo inteiro em tela, e o faz com maestria. Ela traz uma frieza contemplativa, mas não passiva, constrói uma personagem resiliente e inteligente. Ao longo da película, Molly é mostrada através de close-ups, e com um olhar penetrante mas ao mesmo tempo distante, e às vezes com um sorriso quase discreto e sarcástico, não conseguimos entender o que se passa na sua cabeça, mas sabemos que ela observa tudo.
Todo filme pode ser resumido em uma cena (e que cena!): o jantar entre Molly e Ernest. Os dois vão começar a beber, quando começa a chover. Molly contempla a natureza e seu poder, enquanto Ernest não para quieto numa ânsia de sede, que reflete a diferença entre os dois povos, um ligado às tradições, mas que também foi afetado pelo sistema imposto a eles, e um sempre ganancioso e inquieto.
Existem alguns aspectos que possuem grande significado no filme. Os carros vão demonstrando como o consumo era forte naquele contexto, carros estes movidos a gasolina (derivado do petróleo), comércios, casas de apostas e uma população cada vez mais branca e afetada pelo capitalismo. E em contraposição, o idioma originário dos Osage é utilizado para nos mostrar que, apesar de estarmos do lado desse povo, também somos invasores, assim também é o próprio diretor. Afinal, apesar de consumirmos essa obra como arte, também consumimos monetariamente.
Tecnicamente o filme é incrível. O design de produção nos encanta do início ao fim, com os figurinos, os objetos em cena e toda a ambientação. Ambientação essa que é reforçada pela belíssima fotografia (Rodrigo Prieto) e trilha sonora do finado Robbie Robertson (este foi seu último trabalho, inclusive).
O roteiro traz elementos que colocam o filme num contexto maior, trazendo o Massacre de Tulsa (em 31 de maio de 1921, multidão de brancos invadiu e destruiu o distrito de Greenwood, que na época era uma das comunidades negras mais prósperas do país) e a presença da Ku Klux Klan, mostrando que os acontecimentos ali presentes não eram isolados, e ocorriam em todo o país, um país em que o governo se colocava mais próximo dos opressores do que dos oprimidos.
A montagem (comandada por Thelma Schoonmaker) não nos traz um filme linear, e nem mesmo de apenas um estilo. Começamos em um faroeste sinistro, depois vamos para o que parece um filme policial para encerrarmos num clássico filme de tribunal.
Em suas quase três horas e meia de duração, o filme não cansa. Ele demonstra ser uma aula de narrativa e uma denúncia de um tema complexo, um massacre de um povo que quase foi esquecido. Retrata também como o progresso está fortemente ligado à ganância e morte.
Para quem só se importa com números:
Nota- 10/10.
Ficha técnica:
Título Original: Killers of the Flower Moon
País de Origem: Estados Unidos
Roteiro: Martin Scorsese, Eric Roth (baseado na obra de David Grann)
Direção:Martin Scorsese
Duração: 306 min.
Classificação: 14 anos
Elenco:
Jesse Plemons como Thomas Bruce White, agente do FBI investigando Hale
Tantoo Cardinal como Lizzie Q, mãe de Mollie
Brendan Fraser como W. S. Hamilton, advogado corrupto de Hale
John Lithgow como Promotor Leaward
Cara Jade Myers como Anna Brown, irmã de Mollie
JaNae Collins como Reta, irmã de Mollie
Jillian Dion como Minnie, irmã de Mollie
William Belleau como Henry Roan, cunhado de Mollie
Scott Shepherd como Bryan Burkhart
Louis Cancelmi como Kelsie Morrison
Jason Isbell como Bill Smith
Sturgill Simpson como Henry Grammer
Ty Mitchell as John Ramsey
Tatanka Means como John Wren
Michael Abbott Jr. como Frank Smith
Pat Healy como John Burger
Gary Basaraba como William J. Burns
Steve Eastin como Juiz John Calvin Pollock
Barry Corbin como Agente funerário Turton
Katherine Willis como Myrtle Hale
Gene Jones como Pitts Beatty
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