Crítica: "Conclave" (2024)
- desenhandorecordat
- 1 de mar.
- 4 min de leitura
"Nossa fé é algo vivo justamente por andar de mãos dadas com a dúvida"
Por: Iuri e Igor Biagioni Rodrigues

Conclave é um filme britânico-estadunidense baseado no livro homônimo do escritor Robert Harris. O longa, dirigido pelo suíço Edward Berger e escrito pelo britânico Peter Straughan, narra a história fictícia de um momento extremamente importante e cheio de mistério na Igreja Católica: a escolha de um papa. A trama foca no cardeal Thomas Lawrence (em uma grande atuação de Ralph Fiennes), que, como decano do Vaticano, tem a responsabilidade de organizar e supervisionar o conclave. Aos poucos, ele se vê investigando segredos, escândalos e polêmicas de cardeais candidatos ao papado.
O roteiro deste filme é excelente, pois mostra como o conclave envolve fé, política e poder, além de desenvolver muito bem seus personagens e apresentar diálogos memoráveis. Além disso, a história mistura suspense e mistério, prendendo a atenção do público do início ao fim.
Nesse contexto, somos apresentados ao processo de votação que conta com quatro fortes nomes: Aldo Bellini (Stanley Tucci), um estadunidense que é um cardeal liberal e bastante crítico, Joshua Adeyemi (Lucian Msamati), um cardeal nigeriano bastante popular e muito conservador em questões sociais, Joseph Tremblay, um cardeal canadense de linha moderada e que parece esconder um grande segredo de seus colegas; e Goffredo Tedesco, um cardeal italiano de extrema direita que revive o espírito cruzadista da Idade Média. Enquanto alguns, como Lawrence e Bellini, não desejam o pontificado, outros, como Tedesco e Tremblay, almejam o cargo a todo custo.

A disputa ganha novos contornos e fica mais apertada quando o cardeal mexicano que atua no Afeganistão, Vincent Benitez (Carlos Diehz), nomeado de maneira in pectore (ou seja, escolhido de forma confidencial pelo papa) aparece como um nome que pode surpreender. Paralelamente, Lawrence também ganha força, apesar de insistir que não deseja ser papa. Todo processo é observado de perto pela Irmã Agnes (Isabella Rossellini, em uma atuação marcante mesmo com pouco tempo de tela), chefe de cozinha e governanta dos cardeais que sabe de tudo que acontece no Vaticano.

Tecnicamente, o longa é primoroso. Destacam-se para a fotografia, montagem, figurino e direção de arte (a Capela Sistina e a Casa de Santa Marta foram totalmente recriadas em estúdio e com uso de computação gráfica para o teto pintado por Michelangelo) e direção. O elenco entrega atuações excepcionais, transmitindo com eficácia as emoções e tensões exigidas pela narrativa. Bons exemplos disso são o sermão de Lawrence antes do início do Conclave, as discussões instigantes entre os cardeais liberais, a conversa entre Lawrence e Adeyemi, a briga dos cardeais no refeitório interrompida pela Irmã Agnes, o discurso agressivo e preconceituoso de Tedesco, a fala de Benitez defendendo uma Igreja em saída e que olhe para o que quer ser no futuro e, por fim, a cena final com o diálogo entre Lawrence e Benitez.
A arquitetura do Vaticano reflete o estado emocional do protagonista, com corredores extensos representando isolamento e confusão interna. O uso de portas abertas e fechadas sugere segredos não revelados, a sede de poder e conflito interno. Vale destacar o uso inteligente dos enquadramentos. Como por exemplo na cena em que Lawrence observa de uma sacada todos os cardeais que se aglomeram no pátio abaixo dele. Todos juntos como uma grande massa, é quase imperceptível a diferença entre eles, não há como saber quem é quem. Mas logo depois, o longa vem questionar essa ideia de unidade, ao mostrar que há uma divisão entre grupos que buscam atender seus próprios interesses.

"Conclave" ressalta a importância do mistério para a fé. Diante de um evento que ocorre de forma tão enclausurada, para definir algo tão importante para uma das instituições mais antigas e poderosas da humanidade, a Igreja Católica, a fé que deveria ser o mais importante, a crença em algo quase sobrenatural, divino, encontra barreiras em homens. Seres humanas que por politicagem e conflitos mesquinhos se afastam justamente do que deveriam representar. São sim cobertos de erros, contradições e dúvidas, mas até mesmo Cristo teve dúvidas antes de morrer. "Nossa fé é algo vivo justamente por andar de mãos dadas com a dúvida" diz Lawrence em seu sermão. Essa é a frase que pode resumir o filme.
Enfim, na nossa opinião, o grande mérito de Conclave está na discussão que ele propõe. Ao explorar os bastidores da eleição do santo padre, o filme destaca como o processo de votação é complexo, cheio de detalhes, intrigas e polêmicas. Por meio dos diálogos e das atitudes dos personagens, conhecemos dois tipos de Igreja: uma que busca ser mais humana, aberta, acolhedora e progressista, e outra que, em nome da tradição, defende ideias muito retrógradas. Essa questão é muito atual e reflete dilemas enfrentados pela Igreja Católica. Por isso, esse filme é tão impactante e o final surpreendente reforça ainda mais essa reflexão. (Não vamos dizer mais nada para evitar spoilers).
Concluindo, Conclave é um excelente filme que transmite com precisão as divergências existentes na cúria romana, apresentando religiosos que não são perfeitos, mas que estão dispostos a perdoar, ser perdoados e a melhorar, pois possuem uma fé sincera. Ao mesmo tempo, expõe aqueles que presos ao tradicionalismo e à arrogância, aspiram mais as coisas terrenas do que as celestes.
Para quem só se importa com números:
9/10
Ficha Técnica:
Título original: Conclave
País de origem: Reino Unido e Estados Unidos
Roteiro: Peter Straughan (Baseado em: "Conclave”, de Robert Harris)
Direção: Edward Berger
Classificação: 12 anos
Duração: 120 minutos
Elenco:
Ralph Fiennes como cardel John Lawrence
Stanley Tucci como cardela Aldo Bellini
John Lithgow como cardeal Joseph Tremblay
Sergio Castellitto como cardeal Goffredo Tedesco
Isabella Rossellini como Irmã Agnes
Lucian Msamati como cardeal Joshua Adeyemi
Carlos Diehz como cardeal Vincent Benitez
Brían F. O'Byrne como monsenhor Raymond O'Malley
Merab Ninidze como cardeal Sabbadin
Thomas Loibl como arcebispo Mandorff
Jacek Koman como arcebispo Janusz Woźniak
Loris Loddi como cardeal Villanueva
Balkissa Maiga como Irmã Shanumi