Aprendendo História do Brasil e se divertindo!
Por: Iuri Biagioni Rodrigues
D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821) é um quadrinho nacional lançado pela Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.), lançado em novembro de 2007, no contexto das comemorações dos 200 anos da vinda da Família Real para o Brasil (que aconteceu em 2008). Neste ano, recentemente, completaram-se 215 anos deste fato, então decidi escrever sobre esta história.
A HQ é fruto da parceira entre: Lilia Moritz Schwarcz, historiadora e antropóloga que é um dos maiores e mais importantes nomes da historiografia e antropologia brasileira, com o premiado quadrinista, cartunista e ilustrador João Spacca. Como o título sugere, a obra contará a história da vinda de D. João VI e sua corte para o Brasil, bem como os principais mudanças e eventos que ocorreram no país durante a sua estadia.
O quadrinho mostra todo o contexto social e político da Europa nos primeiros anos do século XIX que motivaram a vinda da corte para o Brasil de uma maneira bem inteligente e dinâmica. Bom, é a Lilia Schwarcz que supervisionou e fez o argumento, então não tem como ser ruim.
A história começa ainda no século XVIII, onde vemos a citação ao alvará que proibia o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil colônia. Depois, vamos para Lisboa no ano de 1807, quando vemos acontecimentos ligados às Guerras Napoleônicas, situação que foi determinante para a vinda da corte portuguesa para o Brasil.
Antes continuar falando sobre a história em quadrinhos, vamos recapitular acontecimentos que aprendemos nas aulas de História:
Napoleão Bonaparte, Imperador da França, elaborou uma medida conhecida como bloqueio continental, com o objetivo de isolar e enfraquecer política e economicamente a Inglaterra, pois proibiu países europeus de comercializar com os ingleses. Diversos países seguiram o decreto francês.
Portugal possuía boas relações com França e Inglaterra, então a adesão ou não adesão ao bloqueio geraria problemas com algum dos dois países. D. João VI era pressionado por um grupo de membros da corte para juntar-se aos franceses e por outro para aproximar-se mais dos ingleses.
Assim, as tropas napoleônicas eram uma ameaça para Portugal. Então, a corte portuguesa resolve colocar um antigo plano em ação: transferir-se para o Brasil. A intenção dessa viagem era preservar a corte e os territórios que pertenciam à Portugal. A viagem contou com apoio da Inglaterra que escoltou os navios portugueses.
A corte portuguesa saiu na madrugada do dia 29 de novembro de 1807 com mais de 50 navios (29 portugueses e 23 ingleses) e chegou no Brasil em 1808, passando primeiramente em Salvador no mês de janeiro, e, finalmente, desembarcando no Rio de Janeiro em março.
Agora, voltando para D. João Carioca, vemos que o quadrinho explica e desenvolve muito bem todo esse processo. Sem poupar na quantidade de texto, Spacca constrói uma narrativa que não é cansativa. Vemos as reuniões do Príncipe Regente com seus ministros, os interesses e planos de Napoleão (aqui, inspirado no ator Christian Clavier), o papel dos ministros portugueses nas negociações com França e Inglaterra e toda articulação e preparação para a viagem. Algumas vinhetas representam mapas que nos ajudam a entender melhor. Depois vemos as principais mudanças que D. João: Brasil como sede do aparato político e administrativo de Portugal, abertura dos portos às noções amigas (principalmente, a Inglaterra) que contribuiu para a expansão da economia brasileira, construção da Casa da Moeda, Criação do Banco do Brasil, Jardim Botânico, Teatro Municipal, instalação da Imprensa Régia, Academia Real Militar, Academia Real de Belas Artes e da Biblioteca Real. Temos também a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815). Além disso, ocorreram melhorias urbanas como novos bairros, ruas mais largas, calçamento, etc.
O quadrinho também mostra as contradições e problemas como: a falta de estrutura do Rio de Janeiro para receber uma grande quantidade de pessoas, os conflitos e diferenças entre brasileiros e portugueses, manutenção da escravidão, a vida das pessoas que ficaram em Portugal e tiveram que enfrentar os franceses e lidar com a presença de ingleses como o almirante inglês Beresford, que comandava o país e era odiado pela população.
Outro mérito da HQ é mostrar diferentes pontos de vista sobre o mesmo fato, assim temos contradições que geram o humor. Aliás, o humor aqui é bem inteligente e com senso crítico. Ele é notado nas falas dos personagens, nas suas expressões e nas já citadas contradições de narrativas.
A história também mostra, rapidamente, as campanhas militares empreendidas por D. João como invasão da Guiana Francesa e a anexação da Cisplatina (atual Uruguai). A Revolução Pernambucana, movimento de caráter separatista e republicano ocorrido em 1817 aparece brevemente na trama.
Os problemas de relacionamento entre D. João (aqui, uma espécie de precursor do famoso "jeitinho brasileiro") e sua esposa Carlota Joaquina (aqui, segundo Spacca, uma soma de Medeia, Lady Macbeth, Frida Kahlo, Dick Vigarista e Didi dos Trapalhões) são retratados de uma maneira engraçada e divertida.
Temos também um pouco do Congresso de Viena (conferência entre líderes das grandes potências europeias que ocorreu entre novembro de 1814 e junho de 1815, após a derrota da França, cuja finalidade era a de redesenhar o mapa político do continente europeu e restaurar as monarquias depostas por Napoleão), juventude de D. Pedro I e seu casamento com Dona Leopoldina. Por fim, vemos o retorno de D. João para Portugal num contexto em que Portugal passava por problemas políticos, econômicos e sociais. Os ideais liberais se espalham entre os portugueses e, em 1820, ocorre a Revolução Liberal do Porto, que exige o retorno do Rei D. João VI e a formação de uma assembleia constituinte (as Cortes). O Rei regressa a Portugal em 1821. A HQ vai até este ponto.
A arte de Spacca merece destaque, porque suas composições de página são bem dinâmicas e versáteis, os enquadramentos e formatos de quadro são criativos, os cenários são bem detalhados (algumas vinhetas são inspiradas em pinturas de grandes artistas como Debret, Rugendas, Failutti, entre outros), as cores são vivas e valorizam a arte, os desenhos cartunescos funcionam perfeitamente, pois contribuem na construção da personalidade dos personagens e são muito expressivos, os figurinos de todos os personagens e figurantes são frutos de uma pesquisa detalhada e, por isso, são extremamente fiéis ao vestuário século XIX. As naus, coches, carruagens, armas e construções também são muito detalhadas e fiéis ao período histórico retratado. Tudo foi fruto de pesquisas, estudos, visitas a museus e fotografias de locais que aparecem na obra.
Finalizando, D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), é um quadrinho muito bem feito, gostoso de ler, tem um ótimo trabalho de arte, é muito completo nas suas explicações e na retratação do período histórico abordado. Enfim, é um ótimo jeito de aprender História do Brasil e se divertir ao mesmo tempo!
PS: O quadrinho foi adaptado para uma animação produzida pelo canal Futura. Você pode assistir clicando aqui.
Para quem só se importa com números:
Nota: 8/10
Dados da HQ:
Pesquisa, supervisão e argumento: Lilia Moritz Schwarcz
Pesquisa, roteiro e arte: João Spacca
Editora: Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.)
Número de páginas: 96
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