A superficialidade da riqueza e a Sociedade do Espetáculo.
Por Igor Biagioni Rodrigues.
"Glass Onion" é a continuação de "Entre Facas e Segredos", a primeira desde a compra da Netflix sobre os direitos de duas continuações do primeiro filme desse universo de Rian Jonhson. A sequência segue os moldes do primeiro mas, infelizmente, de forma muito mais hollywoodiana.
O longa se passa num arquipélago grego do bilionário Miles Bron (Edward Norton). Miles convida um grupo seleto de amigos,entre eles está o famoso detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), para resolverem uma brincadeira do mistério de sua morte, mas quando um assassinato realmente acontece, todos são suspeitos e cabe a Blanc descobrir quem é o assassino.
Como disse acima, o filme segue os moldes do primeiro: é um whodunit (um recurso narrativo que consiste, inicialmente, no assassinato de um dos personagens da trama, desencadeando um procedimento investigativo acerca da identidade do assassino) se passa praticamente em um único lugar, o detetive foi contratado misteriosamente, possui um elenco de peso e vamos tendo o desenrolar do mistério através de flashbacks.
Apesar disso, esse filme tem todo o aspecto exagerado de Hollywood, sendo extremamente veloz (com revelações a cada minuto) e tendo um tom muito surreal, com mansões de vidro em uma ilha grega, convites em caixas misteriosas, projetos científicos de novas formas de combustível e energia etc. Tudo isso nos destoa do universo filme, diferentemente do primeiro, que apesar de inúmeros elementos que nos afastassem, possuía diversas críticas e comentários sobre questões políticas e sociais, que nos atraiam.
Outro aspecto que não me agradou, foi a decisão de situar essa história dentro da pandemia do COVID-19. Inicialmente é interessante, uma vez que Rian Jonhsson utiliza do uso da máscara e de toda forma de relação social que a pandemia nos fez adotar para nos apresentar a personalidade de cada um dos personagens, isto é perceptível nas máscaras que usam (isso se as usarem), na maneira que as utilizam e como se comportam entre si. Mas tudo isso é descartado com uma cura mágica desenvolvida sabe se lá como e injetada na boca dos personagens. Se iam acabar tão rápido com esse elemento apresentado na narrativa, por quê apresentá-lo?
Tecnicamente falando o roteiro de Jonhson é novamente brilhante (A cebola de vidro, feita em camadas, é uma metáfora de como fazer um roteiro) e seu trabalho nas montagens de cena, enquadramentos e apresentação de personagens é excelente, como foi explicado pelo próprio diretor neste vídeo da Vanity Fair.
As atuações são ótimas e estão muito condizentes com os personagens. Até mesmo Dave Bautista entrega cenas divertidas com seu Duke Cody. Gostaria de destacar aqui as atuações de Janelle Monáe e de Daniel Craig (Benoit Blanc é um personagem divertidíssimo e Craig dá um carisma a mais nele com um sotaque muito engraçado).
Além disso, o design de produção é outro ponto positivo, com cenários e figurinos que nos remetem as características das personalidades dos personagens.
Independentemente dos pontos negativos da história, acho muito válido ressaltar a crítica que o filme faz em relação a banalidade da riqueza.
"Glass Onion" e a Sociedade do Espetáculo.
Em 1967, o escritor e pensador marxista Guy Debord escreveu o livro "Sociedade do Espetáculo", que diz que o capitalismo criou uma sociedade em que as relações sociais são permeadas por imagens e pelo consumismo.
Para Debord, essa espetacularização de forma imagética ocorria pela mídia de massa (atualmente, ocorre pelas redes sociais). Ele argumentava que tal espetacularização criava uma impossibilidade de separação das relações sociais e as relações de consumo e produção.
"O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. Ou seja, essa relação social e interpessoal mediada por imagens faz com que a aparência se coloque acima da existência. O parecer se torna mais importante que o ser. E o que são os personagens de "Glass Onion" se não a representação disso?
Miles Bron, um bilionário que só possui amigos por conta de seu poder financeiro, Claire Debella (Kathryn Hahn), uma senadora que só preza por seus interesses políticos, Lionel Toussaint (Leslie Odom Jr), um cientista que se importa mais com o lucro do que com a Ciência, Birdie Jay (Kate Hudson) uma ex-supermodelo agora designer de moda com posicionamentos deploráveis nas redes e Duke Cody, um influencer machista. As relações entre eles são puramente baseadas na aparência e no dinheiro, pelo o qual fariam de tudo. Os personagens vendem uma imagem de complexidade, de terem várias camadas como uma cebola, mas na verdade são frágeis e quebradiços como um vidro.
Em suma, "Glass Onion" é um filme em que a parte técnica se destaca diante da história, sendo um whodunit que peca justamente naquilo que critica: a banalidade da riqueza e a imagem/aparência acima do ser.
Para quem só se importa com números:
Nota-6/10.
Ficha técnica:
Título original: Glass Onion: A Knives Out Mystery
País de origem: Estados Unidos.
Roteiro: Rian Johnson.
Direção: Rian Johnson.
Duração: 140 minutos.
Classificação: 14 anos.
Elenco:
Daniel Craig como Detetive Benoit Blanc.
Janelle Monáe como Cassandra "Andi" Brand/Helen Brand.
Edward Norton como Miles Bron.
Madelyn Cline como Whiskey.
Kathryn Hahn como Claire Debella.
Leslie Odom Jr. como Lionel Toussaint.
Kate Hudson como Birdie Jay.
Dave Bautista como Duke Cody.
Jessica Henwick como Peg.
Jackie Hoffman como Sra. Cody.
Noah Segan como Derol.
Ethan Hawke como Assistente de Miles.
Hugh Grant como Phillip.
Stephen Sondheim como Stephen Sondheim.
Kareem Abdul-Jabbar como Kareem Abdul-Jabbar.
Serena Williams como Serena Williams.
Prêmios:
Critics' Choice Award: Melhor Comédia.
Critics' Choice Award: Melhor Elenco.
Satellite Award de Melhor Elenco.
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