Esmagando a misoginia nerdola e a "fórmula Marvel".
Por: Igor Biagioni Rodrigues
Contém spoilers!!
Mulher-Hulk: Defensora de heróis é a oitava série do MCU e a última da quarta fase. Ela nos introduz e trabalha a advogada Jennifer Walters (Tatiana Maslany), prima de Bruce Banner (Mark Ruffalo), que irá se tornar a Mulher-Hulk. A série que gerou muita polêmica, é na minha humilde opinião, um dos ouros da Marvel nesse ano.
A Marvel, nos cinemas, já trouxe personagens femininas fortes (não só no quesito de super poderes), mas nenhuma tão bem trabalhada como Jenn. A série, durante seus nove episódios tem como objetivo trabalhar a jornada de autodescobrimento da personagem.
UM APANHADO GERAL:
Algo que se tornou muito discutido nesses últimos tempos é a qualidade do CGI da Marvel Studios. É claro que isso envolve toda uma situação dos conflitos dos profissionais de VFX com a Marvel, porém isso é assunto pra outro momento (caso você tenha interesse no assunto, recomendo esse ótimo vídeo do Gaveta que aborda o tema). E, sim, o CGI aqui não é dos melhores e nos coloca no famoso Vale da Estranheza. O que é esse vale? De forma simplificada, é uma expressão que se refere ao incômodo gerado no espectador devido a realidade de algo não humano, da computação gráfica da Mulher-Hulk, neste caso. Apesar desse desconforto inicial que o CGI da forma Hulk de Jenn pode gerar, a computação gráfica não afeta a narrativa da série e pelo menos não me tirou da imersão.
Outro aspecto que gerou debate foi o fato de que toda a série possui um texto ótimo e necessário. É um texto de cunho feminista, mas que no episódio inicial não funciona tão bem porque ele fica tentando se explicar e detalhar o que já conseguimos ver. No entanto, isso acontece unicamente no primeiro episódio. Assim, ao longo dos capítulos seguintes, a narrativa feminista é perfeita. A sátira aos ”fãs” que não suportam o protagonismo feminino, a toxicidade de certas pessoas na Internet que se escondem atrás do anonimato simplesmente para ofender os outros e a masculinidade frágil, ofendem aqueles que devem ser ofendidos, e a escolha da série de não possuir um grande vilão, mas fazer com que o vilão seja justamente esse comportamento tóxico masculino no mundo de hoje (e em um mundo de super seres) combina muito bem com o tom da produção que optou por uma trama mais simples, mais pé no chão e fugiu daquilo que ela mesma contesta sobre as produções da Marvel e de heróis no geral, nas quais sempre o mundo precisa ser salvo, pois vai ser destruído/dominado por alguém ou algo muito perigoso. Após uma Wanda extremamente poderosa só que surtada, Mulher-Hulk era o tipo de personagem que a Marvel precisava e a representação feminina que o MCU necessitava.
Em relação ao artifício de quebra da quarta parede, a série deixou a desejar, perdendo a oportunidade de fazer como fez no último episódio e ser puro suco de John Byrne, algo que seria extraordinário.
UM BREVE COMENTÁRIO DOS EPISÓDIOS:
No primeiro episódio, em um acidente durante uma viagem com seu primo, Bruce Banner (o Hulk), Jenn acaba sendo afetada pelo sangue de Bruce e acaba se tornando uma espécie de Hulk. Então, Banner a leva a um paraíso sabático (um presente que ele ganhou de Tony Stark para que conseguisse lidar com sua relação homem/monstro) a fim de ensinar sua prima a controlar sua raiva e aprender a lidar com o seu “novo eu”. Para surpresa de Bruce, Jenn não perde sua consciência quando se transforma e muito menos quer se tornar uma super-heroína, o que gera uma briga bem divertida.
O segundo e terceiro episódios trazem de volta o Abominável (Tim Roth), deste modo, tiram do esquecimento o injustiçado filme do Hulk de 2008. Além disso, vemos o novo mago Supremo do MCU, Wong (Benedict Wong). Com tudo isso, eles nos entregam um julgamento cômico do vilão. Emil Blonsky superou seu passado, aprendeu a meditar, se tornou zen e encontrou suas nove almas gêmeas através de cartas. É uma nova abordagem para o personagem que funciona muito bem dentro do proposto pelo seriado. Agora, some isso a um Wong confuso em relação as leis humanas e o resultado são dois episódios muito bons.
Já entre os episódios 4,5 e 6, a qualidade da série dá uma forte decaída, o que me preocupou. Esses episódios podem até servir para desenvolver mais a relação Jenn/Mulher-Hulk, mas tiram o dinamismo crescente da série. Os encontros através de um aplicativo de relacionamento nos levam a ver o lado inseguro de Jenn que não consegue nenhum pretendente para ela, porém vários para a Mulher-Hulk, entretanto o arco de Wong tentando resolver os problemas causados por um pseudo mago, pode acabar tirando o foco desse conflito mais interno da personagem. Já a disputa de Titânia (Jameela Jamil), uma influenciadora super poderosa que saiu do nada, com Jenn tanto no tribunal quanto no casamento, não convencem na criação de uma vilã, nem mesmo de uma vilã de uma série cômica, servindo apenas de saco de porrada da Mulher-Hulk.
No sétimo episódio a qualidade da série volta a crescer. Ao levar Jenn a uma terapia com o Abominável e outros vilões de quinta divisão da Marvel, Jessica Gao consegue trazer um humor leve e ainda por cima faz com que Jenn finalmente aceite seus dois lados como sendo um só.
O oitavo episódio era o mais aguardado de toda a série. E por qual motivo? Por trazer de volta o nosso querido, idolatrado e amado demônio da Cozinha do Inferno, o Demolidor. Confesso que tinha medo de que não iriam conseguir encaixar o Demolidor nessa história devido ao tom da série, mas “Ribbit and Rip It” conseguiu tirar qualquer tipo de medo que eu tinha e entregou um ótimo episódio (o meu favorito). Aqui, temos uma nova abordagem do Homem sem medo, uma mais condizente com o MCU, mas sem negar o que já foi construído na finada parceria entre Marvel e Netflix. Charlie Cox nos entrega aquele humor sarcástico de sempre e uma química gigantesca com Tatiana Maslany (quero ver muito mais disso no futuro). Temos referências aos quadrinhos, quando trazem o Homem-Sapo como vilão da semana (o personagem apareceu pela primeira vez em uma história solo do Demolidor), à série da Netflix, com direito a música tema e até cena de luta em um corredor. No entanto, apesar de todo o brilho do nosso personagem queridinho, também vale destacar o trabalho de Tatiana Maslany, que consegue fazer sua presença brilhar tanto quanto a do Demolidor, mostrando de quem é a série.
E, por último, “Whose Show Is This?” fecha a série de maneira brilhante. Desde o primeiro episódio, falam do perigo que seria caso alguém tivesse acesso ao sangue de Jenn ou de Bruce. No final de um dos episódios é mostrado que alguém realmente queria coletar o sangue dela. Eu já pensei:“É... Mais uma série que começa a trabalhar as coisas fora do padrão, mas já vão estragar colocando um grande vilão no final”. O episódio final estava se encaminhando para isso, com a revelação de que Todd Phelps é o líder da Intelligencia, um grupo misógino de haters da Mulher-Hulk, que pegou o sangue de Jenn e injetou em si mesmo, pois ele era alguém que merecia tais poderes. Parecendo que Emil Blonsky tinha parte nisso (algo que estragaria todo arco do personagem) e uma aparição nada sutil do Professor Hulk voltando do espaço sabe-se lá como. Até que Jenn para o episódio e diz que nada daquilo faz sentido, e, depois, quebra a quarta parede, sai do Disney Plus e vai até a sala de roteiristas da série questionar tudo que estava acontecendo. Descobrindo que quem comandava tudo por ali era K.E.V.I.N (uma versão robô de Kevin Feige), ela tem uma das melhores cenas de todo MCU, satirizando toda a fórmula padrão Marvel (que todo mundo questiona), a qualidade do CGI e até mesmo quando veremos os X-Men. Convencendo K.E.V.I.N a mudar o final de seu show, temos um corte seco mostrando Todd Phelps sendo preso por seus atos de difamação contra a Mulher-Hulk, Emil sendo preso por descumprir sua pena e um Demolidor caindo do céu da forma mais absurda e hilária possível.
FINALIZANDO:
Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, é uma séria que acerta no seu tom descompromissado, nos diverte e apesar de certos deslizes em alguns episódios, tem um saldo positivo, trazendo aquela que talvez seja a melhor e mais bem construída personagem feminina do MCU.
Para quem só se importa com números:
Nota- 7/10.
Ficha técnica:
Título Original: She-Hulk: Attorney at Law.
Criação: Jessica Gao.
Direção: Kat Coiro e Anu Valia.
País de origem: Estados Unidos.
Classificação: 14 anos.
Duração: 285 minutos (soma da duração dos nove episódios).
Elenco:
Tatiana Maslany como Jennifer Walters/ Mulher-Hulk.
Tim Roth como Emil Blonsky/ Abominável.
Mark Ruffalo como Bruce Banner/ Professor Hulk.
Ginger Gonzaga como Nikki.
Jameela Jamil como Titânia.
Renée Elise Goldsberry como Amelia.
Charlie Cox como Matt Murdock/ Demolidor.
Tess Malis Kincaid como Elaine Walters.
Benedict Wong como Wong.
Jon Bass como Todd Phelps.
Mark Linn-Baker como Morris Walters.
Josh Segarra como Pug.
Griffin Matthews como Luke Jacobson.
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