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Crítica: Ousadas - Mulheres que só fazem o que querem - volumes 1 e 2

Atualizado: 24 de jan.

Resgatando a história de mulheres que a sociedade quis esquecer!

Por: Iuri Biagioni Rodrigues

Ousadas Pénélope Bagieu

Você já ouviu falar de Agnodice, ginecologista ateniense da Antiguidade que teve que se disfarçar de homem para exercer a medicina? Conhece Nzinga, rainha do Ndongo e da Matamba que lutou contra a colonização portuguesa? Annette Kellerman, nadadora, atriz e inventora do maiô que ajudou as mulheres a libertar seus corpos? Sonita Alizadeh, Rapper afegã que denuncia a situação de submissão e violência que as mulheres de seu país estão submetidas? Thérèse Clerc, feminista e fundadora do Lar das Babayagas (residência autoadministrada por idosas de pouca renda com experiência de vida comunitária ou militante) ou de Phoolan Devi, mulher que viveu e enfrentou o obscurantismo, machismo e cultura do estupro na Índia?


Provavelmente, a maioria delas é desconhecida para você. E está tudo bem. Isso diz mais sobre a sociedade em que vivemos do que sobre você. Aqui, vamos lembrar da teoria da Hegemonia Cultural elaborada por Antonio Gramsci. Segundo este pensamento, as diversas expressões (culturais, científicas e sociais) da sociedade atuam para perpetuar uma visão de mundo hegemônica elaborada e defendida por uma minoria dominante, com a finalidade de manter o status quo e manter a maioria sendo manipulada e ignorante em relação a essa situação. Como resultado disso, temos uma produção padronizada em que ideias e valores são difundidos e absorvidos como sendo os únicos possíveis.


Em uma sociedade machista e patriarcal como a que vivemos, observamos que as produções culturais o conhecimento foram elaborados com base no que homens (principalmente, brancos, cis, heterossexuais e de classe alta) acreditavam que era adequado e conveniente de ser abordado e discutido. Assim, eles estão sempre em destaque.


Mas o que tudo isso tem a ver com os quadrinhos da série Ousadas - Mulheres que só fazem o que querem? Bom, Nestas obras, lançadas na França entre 2016 e 2017 (primeiro em blog e, posteriormente, no formato impresso), a quadrinista Pénélope Bagieu (roteiro e arte) traz a história de 30 mulheres (15 em cada volume) que, geralmente, não são lembradas pelas pessoas. Portanto, ela faz um resgate histórico importante nessas histórias em quadrinhos e contrasta a visão hegemônica que vê as mulheres apenas como submissas aos homens. No Brasil, as HQs foram lançadas em 2018 (volume 1) e 2020 (volume 2) pela editora Nemo com tradução de Fernando Scheibe (vol.1) e Renata Silveira (vol.2).


Outro ponto interessante é que Pénélope escolheu mulheres de diferentes épocas (da Antiguidade até os dias atuais), de diferentes países, diferentes culturas, etnias religiões, de orientações sexuais, identidades de gênero e áreas de atuação (artes plásticas, literatura, cinema, música, ciência, ativismo social/militantes, chefes de Estado, esportes, etc), trazendo diversidade e representatividade para a HQ.


As histórias, ou melhor biografias das mulheres, são curtas (de 5 a 10 páginas). Contudo, são inteligentes, bem construídas e focam em momentos chaves da vida das protagonistas de cada narrativa. Além disso, a quadrinista francesa usa traços simples e cartunescos que somados à variedade de cores combinam perfeitamente com a linguagem fácil, com o bom humor, com as críticas e com as informações passadas pelo roteiro. Em Ousadas, há uma ótima sincronia entre comédia e informações históricas. É uma forma de aprender se divertindo e de fortalecer o senso crítico. Assim, temos um quadrinhos muito gostoso de ler.

A historiografia tradicional é muito masculina, logo historiadores ignoraram a participação feminina durante muito tempo. Deste modo, as mulheres foram convenientemente apagadas da História, dando a impressão que apenas homens eram capazes de grandes feitos e dignos de atenção/valorização por parte da sociedade. Com o tempo e com a luta constante das mulheres, obras com um revisionismo crítico problematizaram essas questões e começaram a mostrar que as mulheres também são agentes da História. Ousadas faz parte desse movimento e relembra de um modo bem acessível e dinâmico, a trajetória de mulheres que foram esquecidas, mas que tiveram grande importância em suas áreas de atuação e que ousaram fazer coisas que não eram vistas como "coisa de mulher". Os dois volumes são exemplos da luta e resistência feminina e passam a mensagem de empoderamento.


Ousadas também possui um grande potencial educativo que pode ser muito aproveitado para evidenciar os grandes feitos dessas mulheres.  Ao finalizar a leitura, com certeza, você vai querer saber mais sobre as 30 protagonistas da obra! Tudo isso faz com Ousadas seja ideal para todas as idades. Enfim, são dois volumes excelentes.


Para quem só se importa com números:

Nota: 10/10


Bônus = veja os nomes das 30 mulheres escolhidas para protagonizar Ousadas - mulheres que só fazem o que querem:

Clémentine Delait (1865-1939) - mulher barbada

Nzinga (1583-1663) - rainha do Ndongo e da Matamba

Margaret Hamilton (1902-1985) - atriz

Las Mariposas (1924/16/35 - 1960) - irmãs rebeldes

Josephina Van Gorkum (1820-1888) - apaixonada teimosa - (conhecida pelos Túmulos de maõs dadas)

Lozen (≅1840-1889?) - guerreira e xamã

Anette Kellerman (1886-1975) - nadadora e atriz

Delia Akeley (1875-1970) - exploradora

Joséphine Baker (1906-1975) - dançarina, mãe de família e membro da resistência

Tove Jansson (1914-2001) - pintora e escritora

Agnodice (≅350 a. C.) - ginecologista

Leymah Gbowee (1972-) trabalhadora social

Giorgina Reid (1908-2001)- guardiã de farol

Christine Jorgensen (1926-1989) - Celebridade e primeira pessoa a ser abertamente conhecida nos EUA por ter passado pela cirurgia de redesignação sexual

Wu Zetian (624-705) - Imperatriz (única mulher que ocupou o trono do Império da China)

Temple Grandin (1947-) - zootecnista e psicóloga

Sonita Alizadeh (1996-) - rapper

Cheryl Bridges (1947-) Atleta

Thérèse Clerc (1927-2016) - ativista feminista

Betty Davis (1945-) - cantora e compositora

Nellie Bly (1864-1922) - jornalista

Phoolan Devi - Rainha dos bandidos

The Shaggs (1948/49/51-2006) - irmãs Rock stars

Katia Kraftt (1942-1991) - vulcanóloga

Jesselyn Radack (1970-) - advogada

Hedy Lamarr (1914-2000) - atriz e inventora

Naziq Al-Abid (1898-1959) - ativista de família tradicional

Frances Glessner Lee (1878-1962) - miniaturista do crime

Mae Jemison (1956-) - astronauta

Peggy Guggenheim (1898-1979) - colecionadora e amante de Arte Moderna


Dados do quadrinho:

Roteiro: Pénélope Bagieu

Arte: Pénélope Bagieu

Editora original: Le Monde

Editora no Brasil: Nemo

Tradução: Fernando Scheibe (volume 1) e Renata Silveira (volume 2)

Revisão: Renata Silveira (volume 1) e Eduardo Soares e Mariana Faria (volume 2)

Editor: Arnaud Vin

Nº de páginas: 144 (volume 1) e 168 (volume 2)


Prêmios vencidos por Ousadas - Mulheres que só fazem o que querem:

Prêmio Eisner (2019): Melhor edição americana de material estrangeiro










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