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  • Foto do escritorIgor Biagioni Rodrigues

Crítica: "Pobres Criaturas" (2023)

Atualizado: 2 de mar.

O bizarro e libertador conto de Bella Baxter.

Por Igor Biagioni Rodrigues.


Adaptando o livro escrito pelo escocês Alasdair Gray, “Pobres Criaturas” conta a história de Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem que foi trazida de volta à vida pelo Dr. Godwin Baxter (Willem DaFoe). Com um novo cérebro, Bella quer aprender cada vez mais, mas é restringida pelo Dr. Godwin e seu assistente, Max McCandles (Ramy Youssef). Até que um dia, ela foge com o advogado Duncan Weddenburn (Mark Ruffalo) e passa a viajar pelo continente europeu, vivendo aventuras e explorando o mundo e seu próprio corpo.


O longa trabalha muito com a descoberta. Existe em Bella a curiosidade e a sede de conhecimento. Ao descobrir o prazer sexual, ela enxerga uma miríade de possibilidades e aventuras que o mundo tem a oferecer. Assim, o filme aborda o arco de desenvolvimento da personagem, que ao explorar o mundo e o seu corpo, vai se conhecendo, aprendendo sobre o papel da mulher, do homem, da política e sobre a vida.


É impressionante como o filme traz diversos tópicos de discussão relevantes para a tela: ética científica, o debate entre público e privado, exploração humana econômica e sexual, mas é, sobretudo, um conto de libertação feminina.



Mas o que é a liberdade? Diversos filósofos chegaram a várias conclusões: Thomas Hobbes afirmava que o “homem livre é aquele que não é impedido de fazer o que tem vontade, no que se refere às coisas e que pode fazer por sua força e capacidade”; Kant argumenta que a liberdade está ligada à autonomia, ou seja, dar a si mesmo as regras que serão racionalmente seguidas. Já para Jean-Paul Sartre, a liberdade é a condição fundamental do ser humano. Segundo ele, o homem é livre em sua essência, sendo nada antes de se definir como algo, e tem total liberdade para se definir, se engajar, se limitar e se realizar completamente. Podemos dizer então que a liberdade é essencial ao ser humano, correspondendo às suas vontades, desejos e autonomia.


Bella se liberta e descobre sua autonomia, ao romper suas cordas daquele que lhe deu a vida (o apelido do doutor ser “God” não é à toa) e ao perceber que ela é dona de si mesma, não importa o que a sociedade, ou melhor, os homens, tentem lhe impor. A protagonista evolui rapidamente, ao conhecer as belezas e dores do mundo. Ela é a única personagem que evolui ao longo de todo o filme, enquanto todos os demais ficam estagnados, não aceitando o crescimento de Bella, ou pior, tentando freá-lo/dominá-lo. Mas a questão é que Bella é forte demais, seu impulso por viver é mais forte do que qualquer grade que tente aprisioná-la. Bella termina o filme em uma posição de poder inquestionável, tanto para os personagens que a rodeiam como para nós que assistimos a toda sua aventura e crescimento.



Analisando outros aspectos, além da narrativa, só fica mais nítida a enorme qualidade desta obra. O diretor, Yorgos Lanthimos, tinha um antigo interesse em adaptar o livro de Alasdair Gray, porém, na época, o diretor grego não possuía uma vasta rede de contatos e as produtoras gregas que ele apresentou a ideia da adaptação achavam que a obra era ousada demais. Apenas com o sucesso de “A Favorita”, as produtoras estrangeiras Element Pictures, TSG Entertainment e Film4 Productions apoiaram o projeto. Assim, coube ao roteirista, Tony McNamara, adaptar o livro do escritor escocês, e o resultado foi fabuloso.


Em relação às atuações, Emma Stone (que também foi produtora do filme) entrega um de seus melhores trabalhos. Seria fácil que o caricato fosse extrapolado, mas em nenhum momento a atriz deixa isso acontecer. Seu domínio corporal é excepcional e seu humor é brilhante, fazendo com que Bella Baxter seja uma personagem forte, bizarra, divertida e inteligente. Mark Ruffalo é extremamente carismático interpretando o advogado cafajeste, Duncan, sendo, em um primeiro momento, um malandro aproveitador e sucumbindo em um sofredor egoísta. Willem DaFoe não fica para trás, mesmo coberto de maquiagem e não tendo tanto tempo de tela como Ruffalo, o ator entrega o amálgama perfeito entre o médico e o monstro.


A direção de arte, comandada por Géza Kerti, é estupenda e recheada de referências. A ambientação do filme é de um passado vitoriano futurista, com elementos de steampunk (um gênero que se baseia em uma visão alternativa do século XIX, onde a tecnologia a vapor é o motor do mundo) e construções oníricas que remetem aos filmes de George Mélies e à estética surrealista. As referências se extendem às obras de Mary Shelley, mais especificamente “A Noiva do Frankenstein”.



Em diversos momentos, os planos são feitos através do estilo olho de peixe (fotografias circulares com distorções nas bordas, dando à imagem a impressão de possuir maior profundidade), o que nos traz a sensação de que estarmos vendo aquilo atrás de uma janela ou porta e que estamos muito perto daquele mundo estranho, mas não podemos entrar. A direção de fotografia (Robbie Ryan) também é muito inteligente ao retratar as cenas do passado em preto e branco, como se fossem fotos, memórias de um momento distante. Outro aspecto interessante é como a câmera vai se expandindo ao longo do filme, assim como o mundo de Bella. Isso tudo somado à trilha sonora desconcertante e provocativa composta por Jorskin Fendrix faz com que tudo seja fantástico e bizarro ao mesmo tempo.


Apesar de ser um pouco corrido nos minutos finais com revelações e situações um pouco desnecessárias, “Pobres Criaturas” é um excelente conto épico e humorístico de libertação feminina, com ótimas atuações, um visual bizarramente fantástico e com uma protagonista incrível que mostra para as pessoas ao seu redor e para nós mesmos que é necessário vivermos intensamente, crescendo e descobrindo o mundo e nosso papel nele, mas jamais atrapalhando o outro.


Para quem só se importa com números:

Nota- 9/10.


Ficha Técnica:

Título Original: Poor Things

País de origem: Estados Unidos e Reino Unido

Roteiro: Tony McNamara (Adaptação do romance de Alasdair Gray)

Direção: Yorgos Lanthimos

Duração: 142 minutos

Classificação: 16 anos


Elenco:

Emma Stone como Bella Baxter / Victoria Blessington

Mark Ruffalo como Duncan Wedderburn

Willem Dafoe como  Dr. Godwin "God" Baxter

Ramy Youssef como Max McCandles

Christopher Abbott como Alfie Blessington

Kathryn Hunter como Madame Swiney

Jerrod Carmichael como Harry Astley

Hanna Schygulla como Martha von Kurtzroc

Margaret Qualley como Felicity

Vicki Pepperdine como Mrs. Prim

Suzy Bemba como Toinette

Keeley Forsyth como Alison

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