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Crítica: Retrato Falado - Um Quadrinho de Briga

  • Foto do escritor: Iuri Biagioni Rodrigues
    Iuri Biagioni Rodrigues
  • 23 de jan.
  • 3 min de leitura

Um quadrinho de resistência à ditadura

Por: Iuri Biagioni Rodrigues

Retrato Falado HQ

O ano de 2024 marcou 60 anos do golpe que deu início a um dos períodos mais sombrios e tensos da história política do Brasil: a Ditadura Civil-Militar, iniciada em 1964 e finalizada em 1985. Foram 21 anos marcados pelo autoritarismo, repressão política, censura, prisões, terrorismo de Estado e tortura. Além disso, os Anos de Chumbo ficaram conhecidos pela resistência. Muitas pessoas enfrentaram a ditadura de diversas maneiras. Entre os métodos de resistência, destacam-se: manifestações e protestos, jornais alternativos, denúncias internacionais, luta armada, sequestro de embaixadores, grupos de discussão e ajuda mútua, além de expressões artísticas como música, teatro, poesia, literatura e histórias em quadrinhos. A HQ Retrato Falado é um ótimo exemplo dessa resistência.


Retrato Falado: um quadrinho de briga foi produzido em lançado em plena ditadura. A obra foi publicada em 1979 e denunciava a situação política vivida pelo nosso país. Este quadrinho foi escrito e desenhado pelo médico e cartunista Luis Oswaldo Rodrigues, mais conhecido como Lor. Além da temática contundente, Retrato falado destacou-se pelo número de páginas. Nos anos 1970, era muito difícil encontrar histórias em quadrinhos com quase 100 páginas no Brasil, e Lor ousou ao produzir esta obra extensa, impactante e cheia de críticas sociais.


Mas sobre o que trata essa história? Retrato Falado é uma história de ficção, embora fortemente inspirada em eventos reais ocorridos no país durante o período em que os militares estiveram no poder. No quadrinho, Lor criou o país fictício de Rosário, que está sob comando de uma ditadura militar, em uma clara analogia ao Brasil da época. A história mostra o autoritarismo e a violência praticada pelo governo de Rosário, mas decide focar na resistência ao regime que ocorre através de manifestações, lutas do movimento estudantil, reuniões em sindicatos, greve de operários e atuação de jornalistas contrários ao governo.

Retrato Falado
Vinheta de Retrato Falado

A história também possui referências aos assassinatos de Vladimir Herzog e Edson Luís e aos sequestros de embaixadores estrangeiros. Deste modo, Lor transmite com maestria a realidade política e social do nosso país durante os Anos de Chumbo. O autor também trabalha muito bem com os sonhos, lutas, medos, angústias e dificuldades que muitos brasileiros enfrentaram durante o período da ditadura.

Retrato Falado HQ
Os militares do governo de Rosário em Retrato Falado

A trama elaborada por Lor é extremamente bem construída. O quadrinista desenvolve bem seus personagens, cria uma história que transita por diversos locais e utiliza recursos narrativos distintos para enriquecer a história. Entre os recursos temos documentos pessoais, folhetos, imagens de câmeras de segurança e reportagens na televisão. Ainda que em alguns momentos haja excesso de texto, isso não prejudica a condução da narrativa, pois o autor cria um ritmo bastante ágil e evolvente, com pausas bem colocadas e momentos de desaceleração que intensificam a experiência da pessoa leitora.

Retrato Falado HQ
Uma das páginas mais marcantes e impactantes de Retrato Falado. Aqui, temos uma página que diz muito sem falar nada.

O traço de Lor também merece destaque. Ele adota um estilo de desenho estilizado e cartunesco que é muito comum em histórias de humor. Contudo, em Retrato Falado este tipo de desenho transmite a seriedade e a densidade proposta pela narrativa. Enfim, o traço de Lor é forte e bastante expressivo. Além disso, as composições das páginas são muito bem pensadas. Em alguns momentos, há a ausência de balões e recordatórios, o que intensifica a carga emocional e nos faz focar nas expressões e sentimentos dos personagens.

Retrato Falado HQ
A perseguição política em Rosário. Mais uma página que diz muito sem falar nada.

No final da obra, uma frase marcante de Lor resume muito bem o seu trabalho: “Quaisquer semelhanças com pessoas vivas ou desaparecidas ou mortas são meras cicatrizes”. Retrato Falado é um forte lembrete da importância de combater as ideias que defendem o retorno da ditadura. Ditadura nunca mais! 


Após permanecer esgotada por 24 anos, o quadrinho foi republicado em 2003 graças ao quadrinista André Diniz e à Editora Nona Arte. Entretanto, tempo depois, a obra voltou a ficar indisponível. Apenas em 2023, a jovem editora Mambembe, liderada por Diego Aguiar Vieira e Júlia C. Rodrigues, teve a brilhante ideia de republicar este quadrinho. Retrato Falado é uma obra que precisa estar sempre acessível, para ser lida, estudada e debatida. Além disso, esta HQ deveria estar presente em bibliotecas de universidades, faculdades e escolas de todo país, pois é uma verdadeira obra-prima dos quadrinhos nacionais e um ótimo testemunho da luta contra a opressão.


Para quem só se importa com números:

Nota: 10/10


Dados da HQ:

Roteiro: Lor

Arte: Lor

Editora: Mambembe Livros

Editores: Júlia C. Rodrigues e Diego Aguiar Vieira

Nº de Páginas: 116



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