"Scott, se sua vida tivesse uma cara, eu dava um soco nela."
Por Igor Biagioni Rodrigues.
Scott Pilgrim é um 'coming of age', mas diferente. Em primeiro lugar, o que é um 'coming of age'? Esse termo se refere a um gênero presente em filmes, séries e livros que retratam histórias focadas no amadurecimento de um personagem. Em segundo lugar, por que essa HQ em questão é um 'coming of age' diferente? Bom, é sobre isso (e mais) que trata este texto.
Essa saga em quadrinhos foi escrita e desenhada por Bryan Lee O'Malley (lançada no Brasil pela Quadrinhos na Cia. e traduzida por Érico Assis) e conta a história de Scott, um garoto de 23 anos, desempregado, que divide um apartamento com seu amigo Wallace, começou a namorar uma colegial de 17 anos e tem sua vida resumida entre os ensaios da banda da qual faz parte, a Sex Bob-Omb e jogar jogos de videogame de RPG. Porém, a vidinha ordinária de Scott começa a mudar quando ele conhece a garota dos seus sonhos (literalmente): Ramona Flowers, e para conquistá-la, o garoto deve enfrentar a Liga dos Sete Ex-Namorados do Mal dela.
O quadrinho conta com estilo mangá, tanto no traço quanto na forma da história em si, que remete aos mangás shoujo (são histórias mais voltadas para o romance, para o primeiro amor, dramas da vida pessoal e dilemas pessoais) e shonen (sendo principalmente direcionado ao público masculino jovem, costumam ser focados na jornada do herói e seu desenvolvimento nela e possui protagonistas masculinos).
Tendo tudo isso em vista, é comum dizer que a vida é dividida em fases. Entretanto, aqui isso é um fato. As batalhas e alguns momentos cotidianos são retratados como fases de jogos de videogame. A cada ex-namorado do mal de Ramona que ele derrota, Scott vai amadurecendo e vencendo seus dilemas pessoais, assim como Ramona. A HQ pode ter lutas divertidas, um traço mais simplificado/cômico e um estilo semelhante às animações e jogos de videogame; no entanto, o quadrinho é mais profundo do que isso. Ele traz temas como relacionamentos, traições, amizade e rejeição, ou seja, a obra fala da transição da adolescência para a vida adulta.
Esse amadurecimento é nítido tanto em Scott quanto em Ramona, mas isso não muda o fato de que são personagens falhos. É isso que nos faz identificar tanto com eles. Pilgrim é claramente um babaca, ele toma decisões questionáveis ao longo de toda a trama, seu esquecimento, às vezes, é irritante e a forma fria como ele trata certos problemas e situações é revoltante. Ramona, por sua vez, vive fugindo de seu passado e não o enfrentando de frente, não se abrindo para Scott nos momentos que deveria, tornando a relação dos dois mais complicada do que precisaria ser. Isso é o belo da história; todos os personagens são muito humanos, e por mais que as situações que eles estão vivendo sejam absurdas, sua premissa básica é muito palpável e você consegue se identificar tanto com os personagens quanto com seus problemas.
Falando especificamente da técnica do quadrinho, sua disposição de quadros e onomatopeias é muito inventiva, e é um belo uso da linguagem por si só; mas não só isso, mesclar elementos de videogame e desenhos animados faz com que a obra se eleve como uma HQ fora do comum. O roteiro é ágil e as gags são extremamente engraçadas. No entanto, nem tudo é perfeito. Alguns momentos do roteiro e suas transições são abruptos demais, e o traço, mesmo que, por ser simplificado, combine com toda a estética da obra, faz com que alguns designs de personagens sejam muito parecidos e podem acabar confundindo o leitor. Isso faz com que a leitura trave um pouco, tendo em vista que algumas vezes você tem que ficar parando para reconhecer mais propriamente qual é o personagem em cena. Problema que poderia ter como solução a publicação em cores (algo que nunca aconteceu no Brasil até o momento). Mas nada que prejudique seriamente a experiência dessa leitura fantástica!
Enfim, Scott Pilgrim é altamente recomendado não só para fãs de quadrinhos, mas para todas as pessoas que gostam de uma boa leitura. A obra te emociona, te faz rir, cantar, lutar e cumpre sua função como entretenimento. Além disso, ela te faz refletir e perceber que a vida é sim feita de fases, mas que você não precisa jogar esse jogo sozinho.
Para quem só se importa com números:
Nota= 9/10
Dados da HQ:
Roteiro: Bryan Lee O'Malley
Arte: Bryan Lee O'Malley
Tradução: Érico Assis
Preparação: Alexandre Boide
Revisão: Marina Nogueira e Huendel Viana
Composição: Lilian Mitsunaga
Tratamento de imagem: Simone Riqueira
Editora: Quadrinhos na Cia.
Prêmios vencidos por Scott Pilgrim:
Doug Wright Award (2005) - Melhor Novo Talento por Scott Pilgrim's Prescious Little Live (vol.1)
Joe Shuster Award (2006) - Melhor Cartunista por Scott Pilgrim vs. The World (vol. 2)
Harvey Award (2007) - Prêmio Especial de humor por Scott Pilgrim & The Infinite Sadness (vol.3)
Harvey Award (2008) - Melhor Graphic Novel por Scott Pilgrim Gets It Together (vol. 4)
Harvey Award (2010) - Prêmio Especial de humor por Scott Pilgrim Scott Pilgrim vs. the Universe (vol.5)
Eisner Award (2010) - Melhor Publicação de Humor por Scott Pilgrim vs. the Universe (vol.5)
Harvey Award (2011) -Melhor Graphic Novel por Scott Pilgrim's Finest Hour (vol.6)
Inacreditável, eu sempre odiei Scott Pilgrim - o filme pelo menos.
Mas agora fiquei com vontade de conhecer a HQ!
haha
Abraços e parabéns pelo conteúdo 💫