Superman, o Semeador, buscando acabar com a fome mundial
Por: Iuri Biagioni Rodrigues
Superman é um mais populares heróis dos quadrinhos. Ele foi criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938. Apesar de não ser o primeiro personagem com poderes, ele é considerado o primeiro do gênero da superaventura, pois reuniu os principais elementos que definem o super-herói, amadurecendo este conceito. Superman usa seus poderes para ajudar as pessoas e sempre busca fazer o bem. O personagem é bastante conhecido pelos superpoderes que são basicamente divinos, mas principalmente, pelo altruísmo e compaixão, características que infelizmente foram deixadas de lado em filmes e histórias mais recentes do Homem de Aço. Assim, sempre é bom vermos histórias em que o Superman é representado como símbolo de esperança e bondade. Em Paz na Terra, Paul Dini (argumento e roteiro) e Alex Ross (argumento e arte) fazem exatamente isso.
Lançada em 1998, Superman Paz Terra, ao invés de trazer o protagonista enfrentando alienígenas, robôs ou inimigos como Lex Luthor, decide mostrar o maior super-heróis de todos enfrentando um inimigo/problema real: a fome mundial. É uma ideia bastante interessante. No Brasil, esta história foi republicada recentemente no encadernado Os Maiores Super-heróis do Mundo pela editora Eaglemoss com tradução da sempre competente Carol Pimentel (esta versão que é objeto de analise da presente crítica). A Panini também republicou em 2022 em uma edição de mesmo título.
Outro aspecto importante desta história é que ela também funciona como uma paráfrase da parábola do semeador que aparece nos Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas. Assim, logo na primeira página vemos o jovem Clark Kent (identidade secreta do Superman) aprendendo a semear com seu pai, Jonathan Kent. (Sobre isso, recomendo a excelente análise do pesquisador Iuri Andreás Reblin na sua tese de doutorado em Teologia que você pode ler aqui).
Depois, vemos o herói ajudando a enfeitar a cidade de Metrópolis para o Natal, festa cristã marcada pela esperança, fraternidade e amor. No meio da multidão, Superman ouve os pedidos de socorro de uma jovem e, imediatamente, parte para salvá-la. Nisso, ele descobre que a garota está desnutrida e a leva para um abrigo. Após esse acontecimento, o Último Filho de Krypton decide acabar com a fome mundial, uma missão que ele sabe ser muito difícil.
O roteiro mostra que a fome é causada por problemas como má distribuição de renda e ganância. Superman sabe das desigualdades sociais existentes no mundo. Como Clark que é jornalista, ele estuda profundamente sobre o assunto e escreve sobre isso no jornal. Como super-herói, Primeiramente, ele decide distribuir o excedente de alimentos produzidos nos EUA para regiões do próprio país. Após ganhar apoio de outras nações, o herói passa a levar comida para diversos locais do planeta.
A partir desse momento, o paralelos com a passagem bíblica aparecem fortemente. Na parábola citada anteriormente, as interpretações mais comuns dizem que Jesus é o Semeador que tem como propósito instaurar o Reino de Deus apesar das dificuldades (sementes pisoteadas ou comidas por pássaros, terrenos com muitas pedras ou espinhos). Assim, as sementes que caíram terra boa produziram muitos frutos, logo a colheita foi muito boa. Outra análise mostra que as sementes são a Palavra de Deus e que a recepção da mesma varia de acordo com as condições de cada pessoa (terreno). Jesus busca instaurar uma nova ordem social, sem injustiça, desigualdade e violência. Superman tem o mesmo objetivo.
Superman é um herói messiânico de caráter divino. Isso é nítido em Superman Paz na Terra. O herói não se revela como um deus que está do lado de fora, mas como um deus que está junto dos seres humanos. Lembrando que na visão judaico-cristã, Deus não é uma entidade apática e distante, Ele é extremamente próximo de sua criação e da história. Isso é ainda mais forte com Jesus, pois para o Cristianismo, ele é Filho de Deus que habitou entre nós. Além disso, Cristo possui duas naturezas: uma humana e outra divina. Superman por sua vez tem grandes poderes, mas nivela-se à condição humana e ensina a semear, compartilhar seus dons, conhecimento e servir de exemplo para as pessoas. Nesse caso, ele espera que as pessoas partilhem seus alimentos e ajudem o próximo. O roteiro da história é bastante inteligente ao passar essas mensagens.
Ao levar os alimentos (sementes), Superman é bem recebido em alguns locais como Sudoeste dos Estados Unidos, um país Europeu devastado pela guerra, Brasil (favelas do Rio de Janeiro) e países do continente africano. Esses são os terrenos férteis. Mas o herói também enfrenta dificuldades, porque alguns países não o recebem muito bem. Os locais não têm os nomes mencionados, porém podemos deduzir quais são através das vestimentas, pessoas e cenários. Deste modo, vemos que russos jogam pedras no super-herói (terreno pedregoso), em um país da Ásia as pessoas se alvoroçam em cima do Superman e machucam umas as outras (sementes pisoteadas), em uma ditadura da América do Sul (o local lembra a Venezuela) o governo tenta atrapalhar a distribuição de comida através de ameaças aos cidadãos e o Oriente Médio recebe o Superman com bombas destruindo os alimentos (terrenos com espinhos). Aqui, é válido mencionar que os espinhos e pedras que o super-herói encontra são "coincidentemente" países que são pedras no sapato ou espinhos no caminho da geopolítica dos EUA. Apesar disso, não temos um grande enaltecimento dos Estados Unidos nessa HQ, mas é válido ter esse olhar crítico para ela.
Com todas essas referências, é nítido que o argumento desta graphic novel é excelente. Além disso, o roteiro de Dini é muito inteligente, bem elaborado e não é cansativo. O roteirista não utiliza balões. Toda narrativa é conduzida através de recordatórios que são pensamentos e falas do Superman. Isso traz um lado mais introspectivo para a história e nos deixa mais próximos do protagonista. Temos a sensação de participar das reflexões dele. Aqui, Superman parece ser mais palpável.
A arte fotorrealista de Alex Ross é um espetáculo à parte! Suas pinturas trazem páginas muito bonitas e os ângulos de vista, enquadramentos e cores, evidenciam a nobreza, grandeza e o aspecto divino do herói. O trabalho de Ross também evidencia os sentimentos do Superman e nos permite vivenciar seus anseios.
No final vemos que nem mesmo o Superman pode extinguir a fome no mundo. Ela só será superada quando ocorrer uma mudança de mentalidade na sociedade e nos governos, em que a acumulação dê lugar a distribuição. É a humanidade que deve se conscientizar para erradicar a fome. A mensagem final do Superman é que as pessoas despertem um lado mais altruísta e sigam seu exemplo. Nas suas palavras: "Mas, se houver uma solução para o problema da fome, ela deverá surgir no coração do ser humano e se estender ao seu próximo. Como diz um velho ditado 'Se der um peixe a um homem, ele comerá por um dia. Se ensiná-lo a pescar, ele terá alimento para a vida inteira'. Essa simples mensagem pede para que o homem evolua com sabedoria, ajude os necessitados e inspire outros a fazer o mesmo. Esta é a maior necessidade da vida e sua dádiva mais preciosa. Peço a todos que compartilhem o que tiverem com aqueles que precisam. Seu conhecimento. Seu tempo. Sua generosidade. Especialmente com os jovens, pois neles está o nosso futuro. E toda a esperança de uma verdadeira paz na Terra"
Superman Paz na Terra é uma história sensacional que traz uma belíssima mensagem de combate às desigualdades, exercício da solidariedade e da partilha. Paul Dini e Alex Ross nos lembram que o Superman, apesar de ser um super homem, é o mais humano dos super-heróis. Ele é um verdadeiro símbolo de esperança. No final, aprendemos a semear com Clark Kent e entendemos que embora nem todas sementes irão brotar, todas terão chance de crescer.
Para quem só se importa com números:
Nota: 10/10
Dados da HQ:
Argumento: Paul Dini e Alex Ross
Roteiro: Paul Dini
Arte: Alex Ross
Editora original: DC Comics
Tradução e edição: Carol Pimentel
Letras: Guilherme Baldin
Editora no Brasil: Eaglemoss
Nº de páginas: 60
Prêmios vencidos por Superman Paz na Terra:
Prêmio Reuben - divisão de quadrinhos (1998) - Alex Ross
Prêmio Eisner (1999): Melhor Graphic Novel
Prêmio Eisner (1999): Melhor artista/pintor multimídia - Alex Ross
Harvey Awards (1999) Melhor artista de capa - Alex Ross
Parabéns, realmente muito interessante, abordagem muito criativa.