Entre a Luz e o Tempo.
Por Igor Biagioni Rodrigues.
Contém spoilers!
O famoso jogo criado por Neil Druckmann ganha aqui sua adaptação em live action. As adaptações de jogos de video game, durante muito tempo, sofreram no quesito qualidade, mas de um tempo para cá, com produções como Sonic e Arcane, essa "maldição" vem sendo quebrada. E, pelo menos nesse início de "The Last of Us", vai continuar sendo assim, uma vez que, esse primeiro episódio inicia a série de uma maneira bastante sólida e promissora.
O episódio começa com um talk show nos anos sessenta, em que especialistas debatem sobre pandemias (uma singela piscadela para o nosso mundo), e um dos personagens questiona como a humanidade sairia derrotada se uma pandemia de fungos se iniciasse. Foi uma maneira bem inteligente de começar a série, pois além do fato de nos apresentar uma forma de conversa televisiva que vivenciamos muito devido à pandemia do Covid-19, o debate já explica a dinâmica da situação apocalíptica do jogo que viria acontecer no mundo trazendo, logo de início, uma tensão.
A série deixa bem claro que apesar de toda ação e zumbis que virão, ela será essencialmente sobre a vida. Sobre a vida e suas relações, sobre sobreviver a qualquer custo, lutando por isso, assim como um fungo. Joel e Ellie dependeram um do outro, em uma relação de sobrevivência física e moral. Um sendo o fungo do outro.
Depois desse início de prenúncio de terror apresentado no programa de TV, temos um longo e ótimo prólogo onde conhecemos Sarah (Nico Parker) e seu pai, Joel (Pedro Pascal). As diferenças entre pai e filha são gritantes. Sarah é uma adolescente mais responsável que seu pai, cuida dele e se preocupa com ele. É o dia do aniversário de Joel, para ele não significa nada, uma vez que já parou no tempo e um dia a mais em sua vida significa um dia a menos, enquanto para Sarah, é preciso comemorar. Ela quer consertar seu pai. Depois do café da manhã ela vai para escola. Durante a aula, uma luz reflete no relógio de um colega e atrapalha as anotações da garota. Após a aula ela vai no relojoeiro para arrumar o relógio de Joel (percebemos como objeto relógio é muito significativo nesse primeiro episódio).
Vamos acompanhando o dia desses dois, que mal sabiam que tudo mudaria. O diretor vai colocando pequenas dicas do que está por vir e vemos como os personagens estão alheios a tudo, mas que o dia vai ficando cada vez mais estranho. Quando Sarah está visitando seus vizinhos, em uma cena enquanto ela olha DVDs na estante, vemos de forma desfocada a mãe da vizinha de Sarah (que estava sofrendo algum processo de demência) se contorcendo. É brilhante a ideia da personagem estar desfocada, isso mostra que o perigo está ali presente, porém ainda não foi visto.
Dessa forma, com pequenos detalhes, vamos tendo noções dos acontecimentos junto com os personagens. Craig Mazin, diretor e roteirista do episódio, foi um dos criadores da minissérie Chernobyl. Lá, os personagens não têm noção do peso dos acontecimentos e acompanhamos tudo através das perspectivas deles, Mazin faz a mesma coisa aqui em "The Last of Us". Isso é de extrema inteligência do roteiro, porque assim, nossas preocupações, perspectivas e medos vão sendo as mesmas que os personagens estão tendo em suas experiências. Um ótimo exemplo disso é quando o apocalipse estoura. Joel, Sarah e Tommy estão no meio do caos tentando fugir da cidade, então o enquadramento da cena muda, e acompanhamos grande parte da sequência através do vidro do carro, com se estivéssemos lá em primeira pessoa, como em um jogo de video game. É absurdamente sufocante.
Depois dessa fuga desesperada, Sarah acaba morrendo. E assim, o apocalipse começa para Joel e seu tempo acaba. A vida como ele conhecia acabou, e seu tempo de vida morreu junto com sua filha. Os próximos vinte anos serão como se ele estivesse inerte. Diante disso, o enquadramento da cena é muito inteligente, deixando o relógio bem no centro da tela.
Temos então um salto no tempo de vinte anos. Acho essa a parte corrida demais e a mais fraca do episódio, tendo em vista que o prólogo é muito bom. O contexto pós- apocalíptico é o padrão: domínio militar, rebeldes contra esse militarismo e um futuro desolado. Apesar da apresentação rápida dos Vaga-lumes, que acabam não cativando muito, e da rápida apresentação da relação de Tess e Joel, essa parte possui significados bem interessantes. Logo no início vemos Joel trabalhando descartando corpos humanos de infectados pelo fungo. As pessoas estão queimando crianças mortas. Crianças são o símbolo do futuro, queimá-las mostra que ali, não existe esperança de futuro.
Mais à frente do episódio, Joel se depara com um texto no muro que diz: "Quando estiver perdido na escuridão, procure pela luz". Mas logo abaixo do texto há uma placa escrito "Perigo". Quão protetora seria essa luz então?
Depois disso, somos apresentados a Luz desse mudo, Ellie. É muito inteligente que em sua primeira aparição, ela esteja iluminada pela luz do Sol, sendo uma analogia do que ela seria para esse mundo inundado nas trevas: a verdadeira luz.
O primeiro episódio de "The Last of Us" apresenta um início bastante promissor e bem sólido. As atuações de Pedro Pascal e Bella Ramsey são muito boas. Com um Joel desiludido e parado no tempo e uma garota sarcástica que vai fazer o tempo voltar para Joel (Em uma de suas primeiras interações, a garota já comenta do relógio quebrado).
Em suma "When You're Lost in The Darkness", é um ótimo episódio piloto, com boas atuações e com roteiro e direção exemplares. Não é a obra prima que muitos comentaram, mas é um belo começo.
Para quem só se importa com números:
Nota-8/10.
Ficha técnica:
Título original: "The Last of Us – 1X01: When You’re Lost in the Darkness"
País de origem: Estados Unidos
Criação: Craig Mazin
Roteiro: Craig Mazin
Direção: Craig Mazin
Duração: 85 minutos
Classificação: 18 anos
Elenco:
Pedro Pascal como Joel
Nico Parker como Sarah
Gabriel Luna como Tommy
Bella Ramsey como Ellie
Anna Torv como Tess
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